A notícia de que a "Food and Drug Administration" (FDA) embargou lotes de suco de laranja de origem brasileira provocou flutuação nos preços e preocupação generalizada entre produtores e exportadores. A FDA, agência americana que cuida do controle e registro de medicamentos e de produtos de defesa vegetal, pode criar problemas para o sistema agroindustrial da laranja, afetando produtores, indústria de insumos e exportadores. É inevitável que os consumidores brasileiros perguntem se o produto aqui vendido é seguro.
O fato isoladamente é relevante bem como a identificação da sua causa, no sentido de evitar futuros problemas. Voltemos à origem do conceito de "agribusiness", que traz na sua essência a ideia de "coordenação". O conceito não foi cunhado para significar a grande agricultura industrial como tem sido interpretado no Brasil, mas para ressaltar que a agricultura não pode ser tratada como um setor isolado da indústria de insumos que a precede ou da indústria de processamento de alimentos que a sucede na cadeia produtiva.
O funcionamento dos Sistemas Agroindustriais (SAGs) é complexo, pois envolve agricultores dispersos geograficamente que adotam tecnologias em geral apontadas pela indústria de insumos. A produção é processada pela indústria ou poderá ser consumida diretamente sem processamento, no caso do alimento in natura.
O tema da coordenação é imperativo e dá o mote para os estudos e pesquisas geradas nos centros dedicados ao tema em todo o mundo. A pesquisa dos últimos 20 anos converge para fato de que a competitividade dos SAGs é pautada pela adoção de tecnologias produtivas, ambientalmente compatíveis, e seguras sob o ponto de vista do consumidor final. Para tanto, a adoção de mecanismos de coordenação entre produtores e indústria se faz necessária. A indústria processadora, os agricultores e a indústria de insumos, quando conseguem aprimorar os mecanismos de coordenação, são capazes de gerar valor, criando incentivos para a cooperação de longo prazo, condição necessária para a incorporação de novos mercados.
Se no passado o alimento era produzido e consumido localmente, os atuais sistemas de produção e consumo são caracterizados pelo distanciamento entre o local da produção e processamento do local onde se dá o consumo. Tal fato gera a necessidade de mecanismos de controle de qualidade e sanidade dos alimentos bem como de normas legais e estrutura para efetuar os controles.
O fato que funcionou como o gatilho para a intensificação do controle sobre os alimentos foi o mal da vaca louca ocorrido na Europa, que gerou o critério de segurança hoje representado pelo Global-Gap, servindo de pauta para todos os SAGs que desejam chegar ao mercado europeu. Nos Estados Unidos, o FDA foi criado no século XIX a partir da Divisão de Química do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos. Nasceu como uma resposta institucional à necessidade de controles de sanidade dos alimentos e medicamentos.
Instituições como o FDA ou seus similares europeus são movidas por razões técnicas e também por pressões políticas. Estratégias de acesso aos mercados, não raro, são marcadas por mecanismos não tarifários de proteção aos produtores locais. De modo pragmático, os SAGs que competem nos mercados internacionais devem prever situações críticas cujos sinais estão disponíveis, reorganizando a produção. Um exemplo é a substituição do uso de moléculas que gerem resíduos banidos dos mercados.
Em suma, as exigências dos consumidores, sejam elas impostas pelo mercado ou por mecanismos regulatórios, são fatores indutores de mecanismos refinados de coordenação nos sistemas de base agrícola. Cabe perguntar como anda a coordenação na agroindústria citrícola no Brasil.
Eu diria que os indicadores não são os mais animadores. Os citricultores independentes e a agroindústria tem vivido momentos cheios de emoção nas últimas décadas. O tema de maior visibilidade é o conflito distributivo que ganhou um status crônico, mobilizando o Cade e o Poder Judiciário.
A tentativa de criar um mecanismo contratual de precificação (Consecitrus), à luz da experiência do Consecana, tem mostrado uma visão imperial da indústria que sugere ter ela o modelo para a solução do problema distributivo. No mínimo, esta é uma visão ingênua, pois os modelos de sucesso são embasados em negociação de longo prazo e criação de laços de relacionamento entre agricultores, indústria de insumos e indústria de processamento.
O exemplo do uso do fungicida que contém o princípio ativo "carbendazim" apenas acentua a disritmia que caracteriza o SAG da laranja no Brasil, abrindo o flanco para a perda de poder competitivo. Os sinais são óbvios. As discussões realizadas entre o FDA, a Juice Producers Association e a Citrus-BR, em janeiro de 2012 deixaram os agricultores em condição subsidiária na mesa de negociação.
Não há sinais de que as arestas estejam sendo adequadamente trabalhadas. A indústria eleva o seu grau de integração vertical, cuja eficiência é questionável por envolver grandes investimentos em ativos, e os contratos de longo prazo entre a indústria e produtores perdem a sua capacidade coordenadora. O ambiente que impera não sugere que ações geradoras de incentivos para a cooperação estejam à vista.
A indústria e a agricultura tratam o tema com miopia usual. Se cooperassem, agricultura e indústria gerariam e protegeriam valor que poderia ser distribuído entre os setores de modo inteligente. Da maneira como tratam a cooperação, o sistema agroindustrial da laranja nos faz lembrar Quincas Borba, de Machado de Assis. As duas tribos estão famintas e acham que o campo de batatas é suficiente apenas para alimentar uma delas. Ao vencido o ódio ou compaixão, ao vencedor as laranjas
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