O patético caso do ministro Carlos Lupi dá à presidente Dilma Rousseff a oportunidade de corrigir uma prática que está na raiz da maioria dos escândalos: o loteamento de cargos com o objetivo de obter apoio ao governo
Daniel Pereira e Paulo Celso Ferreira
Na última quinta-feira, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, foi ao Senado jogar uma cartada decisiva para as pretensões dele de continuar no cargo. Acusado de mentir ao Congresso e acossado por denúncias de cobrança de propina pela cúpula do ministério e de irregularidades na execução de convênios firmados com ONGs, Lupi prometera à presidente Dilma Rousseff, na véspera, rechaçar cabalmente as acusações e provar sua inocência. A audiência seria a redenção do ministro e presidente licenciado do PDT. Seria. Como na semana anterior, quando participou de uma reunião na Câmara, Lupi produziu uma farta quantidade de provas - todas contra si mesmo. Diante dos senadores, o ministro recuou e admitiu ter viajado no King Air providenciado por – como é mesmo o nome? - Adair Meira, dirigente de duas ONGs que têm contratos milionários com o Trabalho. Foi a confirmação da primeira de suas mentiras. O ministro também recuou e admitiu conhecer Adair, um parceiro que, sabe-se agora, chegou a oferecer um jantar em homenagem a Lupi em Goiânia. Jantar na casa do próprio Adair, aquele de quem o ministro não sabia nem o nome nem o endereço. Foi a confirmação da segunda de suas múltiplas mentiras.
Posando no papel de vitima de uma conspiração urdida por adversários. Lupi desferiu mais golpes contra si mesmo. Ao contrário do anunciado na véspera, não apresentou prova de que seu partido pagara os aviões usados na viagem, em dezembro de 2009, pelo Maranhão. Não o fez porque seus correligionários vieram a público para dizer que não pagaram. Sem querer, Lupi ainda abriu brecha para a revelação de que, durante as "atividades partidárias" realizadas no Maranhão, ele recebera cerca de 1 700 reais em diárias pagas pelos contribuintes. "Eu só quero saber do que sou acusado", clamou o ministro, para o espanto da audiência. Coube a um senador do próprio PDT, o novato Pedro Taques, ex-procurador da República, resumir a situação. Diante de sucessivas mentiras. Lupi e o partido não gozavam mais da confiança da sociedade para continuar à frente do ministério, disse Taques. Politicamente, estavam condenados numa sentença justa e inapelável.
Ministro há quatro anos e meio, Lupi tem uma memória privilegiada, segundo seus auxiliares, mas que lhe faltou desde que VEJA começou a revelar, há três semanas, os ilícitos cometidos por pedetistas lotados na cúpula do Trabalho. O ministro só reconheceu ter viajado no King Air depois da divulgação, na segunda-feira passada, de uma foto dele desembarcando do avião. E só reconheceu ter viajado ao lado de - como é mesmo o nome? - Adair Meira após o site de VEJA publicar um vídeo no qual os dois aparecem numa solenidade oficial no município de Grajaú. As fotos e os vídeos o desmascararam. Tomaram-no um espectro sem credibilidade na Esplanada, mas ainda assim ministro. Até o fechamento desta edição, Dilma não havia demitido Lupi - e nem pretendia fazê-la. Uma postura surpreendente, seja pelas sucessivas mentiras do pedetista, seja pelo desempenho dele como gestor. Quando era chefe da Casa Civil, Dilma já não gostava do trabalho de Lupi. Quando assumiu o Planalto, pensou em trocá-lo, mas foi dissuadida por Lula. À frente do governo, tirou poderes dele. como a prerrogativa de negociar com grevistas, e estava decidida a rifá-lo na reforma ministerial, prevista para janeiro.
Depois de demitir cinco ministros acusados de corrupção e tráfico de influência, o natural seria a presidente antecipar o cronograma e exonerar Lupi imediatamente. Mas ela, como o antecessor Lula, decidiu, neste caso, render-se à lógica nefasta da "governabilidade". Render-se ao temor de que a demissão afastaria o PDT da base aliada. A presidente que angariou apoio popular graças à faxina ética preferiu na semana passada, fazer vista grossa à sujeira. Isso. obviamente, tem implicações. Entre elas, suspender a saudável ofensiva, até então em curso, destinada a desmontar máquinas de arrecadação instaladas pelos partidos nos ministérios. Caso do PCdoB no Esporte, do PMDB na Agricultura e no Turismo e do PR nos Transportes (veja o quadro na pág. 76). São essas engrenagens partidárias que servem de dínamo para a corrupção e o desvio de verbas. Com o aval do governo, surrupiam dinheiro de programas sociais e de obras para os cofres dos partidos e os bolsos dos correligionários. Diz o historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos: "O Brasil destoa das grandes democracias mundiais com este presidencialismo de transações que não são nada republicanas".
Desde a redemocratização, na década de 80, vigora no Brasil o chamado governo de coalizão. Funciona assim: o presidente da República de turno, para manter os partidos em sua órbita e receber deles votos favoráveis no Congresso, dá às legendas o controle de cargos importantes da máquina pública. De inicio eram ministérios. Com o decorrer dos anos, a fatura foi se tornando mais salgada. Agora, loteiam-se ministérios, autarquias, fundações e até os 23000 cargos comissionados à disposição do governo federal (veja o quadro na pág. 73). O rateio do butim garante a governabilidade mas, à custa, como mostram os recorrentes casos de corrupção, do suado dinheiro do contribuinte. "É possível governar sem o loteamento de cargos desde que sejam fechadas alianças programáticas", diz Villa. Ou seja: desde que o amálgama da base governista sejam ideias comuns para solucionar os problemas do país. "É preciso extinguir a maioria dos cargos de nomeação política. O Brasil é a única grande democracia a ter essa quantidade exagerada", acrescenta. A proposta é simples. Substituir os apadrinhados por servidores concursados. Trocar o QI - cínica abreviação do igualmente cínico "quem indica" - pela profissionalização e pela meritocracia. Dar uma visão empresarial a um estado tratado como bem privado por determinados setores.
Para o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), a reforma ministerial dará à presidente Dilma a possibilidade de romper com o sistema atual, no qual o loteamento de ministérios e de mais de 20000 cargos serve para amarrar os partidos ao governo. Fleischer considera prioritário acabar com a adoção do modelo chamado de porteira fechada, aquele em que o partido comanda todos os postos de uma estrutura administrativa - do titular de um ministério ao degrau mais baixo da hierarquia. Dilma já impediu algumas porteiras fechadas. Previdência e Minas e Energia, por exemplo, têm ministros indicados pelo PMDB, mas secretários executivos escolhidos pela própria presidente. São exceções. Desde junho, Dilma demitiu cinco ministros por irregularidades. Em todos os casos, trocou-os por colegas "" do mesmo partido, que continua indicando desde a secretária que anota recados até o diretor que libera o dinheiro. Para o experiente deputado Miro Teixeira, no décimo mandato como deputado federal, a queda dos ministros não passa de um "jogo de distração", no qual se corta a cabeça dos titulares mas se mantém a estrutura corrompida dos partidos nas pastas. "O ministério fica" com o mesmo partido e acaba por isso mesmo. Há um sistema organizado para roubar o dinheiro público. A presidente tinha de demitir antes de submeter os ministros à fritura e ir a fundo", diz o parlamentar do PDT. Cientes disso, partidos governistas operam para retomar espaços perdidos quando foram alvo da tal faxina ética.
O PMDB emplacou o novo ministro da Agricultura, indicou o sucessor de Pedro Novais no Ministério do Turismo e praticamente todos os demais diretores. O PCdoB ainda trabalha para reorganizar seus camaradas no bombardeado Ministério do Esporte. O PR, que amargou um prolongado período de desgraça nos Transportes, tentou no último mês reconquistar fatias de poder. No fim de outubro, nove deputados da sigla jantaram com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. Pediram rápida liberação de recursos para obras, mais trânsito no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e ascendência sobre a recém-nomeada diretoria da Valec, a estatal que cuida das ferrovias do país. ""Queríamos saber se o ministro estava ou não estava com a gente", conta o deputado Luciano Castro (PR-RR), anfitrião do jantar. Passos substituiu no ministério o senador Alfredo Nascimento, presidente nacional do PR. Desde a troca de comando, só tirou do partido o controle de uma das superintendências estaduais do Dnit. Os republicanos continuam, portanto, no comando das mesmas repartições denunciadas antes por cobrar propina de empresários. Foram-se os anéis, ficaram os dedos. "Os ministros são cada vez mais desqualificados. Esses postos, que deveriam ser ocupados por estadistas, terminam sendo loteados por aqueles que têm interesses meramente partidários. Isso vem se agravando governo a governo, e não há perspectiva de que possa melhorar", critica o cientista político Octaciano Nogueira, professor da UnB. "Falta dar um sentido ético à política", conclui. É justamente o que esperam os brasileiros - mas, infelizmente, o contrário do que sinaliza o governo com a permanência do patético Carlos Lupi à frente do Ministério do Trabalho.
Posando no papel de vitima de uma conspiração urdida por adversários. Lupi desferiu mais golpes contra si mesmo. Ao contrário do anunciado na véspera, não apresentou prova de que seu partido pagara os aviões usados na viagem, em dezembro de 2009, pelo Maranhão. Não o fez porque seus correligionários vieram a público para dizer que não pagaram. Sem querer, Lupi ainda abriu brecha para a revelação de que, durante as "atividades partidárias" realizadas no Maranhão, ele recebera cerca de 1 700 reais em diárias pagas pelos contribuintes. "Eu só quero saber do que sou acusado", clamou o ministro, para o espanto da audiência. Coube a um senador do próprio PDT, o novato Pedro Taques, ex-procurador da República, resumir a situação. Diante de sucessivas mentiras. Lupi e o partido não gozavam mais da confiança da sociedade para continuar à frente do ministério, disse Taques. Politicamente, estavam condenados numa sentença justa e inapelável.
Ministro há quatro anos e meio, Lupi tem uma memória privilegiada, segundo seus auxiliares, mas que lhe faltou desde que VEJA começou a revelar, há três semanas, os ilícitos cometidos por pedetistas lotados na cúpula do Trabalho. O ministro só reconheceu ter viajado no King Air depois da divulgação, na segunda-feira passada, de uma foto dele desembarcando do avião. E só reconheceu ter viajado ao lado de - como é mesmo o nome? - Adair Meira após o site de VEJA publicar um vídeo no qual os dois aparecem numa solenidade oficial no município de Grajaú. As fotos e os vídeos o desmascararam. Tomaram-no um espectro sem credibilidade na Esplanada, mas ainda assim ministro. Até o fechamento desta edição, Dilma não havia demitido Lupi - e nem pretendia fazê-la. Uma postura surpreendente, seja pelas sucessivas mentiras do pedetista, seja pelo desempenho dele como gestor. Quando era chefe da Casa Civil, Dilma já não gostava do trabalho de Lupi. Quando assumiu o Planalto, pensou em trocá-lo, mas foi dissuadida por Lula. À frente do governo, tirou poderes dele. como a prerrogativa de negociar com grevistas, e estava decidida a rifá-lo na reforma ministerial, prevista para janeiro.
Depois de demitir cinco ministros acusados de corrupção e tráfico de influência, o natural seria a presidente antecipar o cronograma e exonerar Lupi imediatamente. Mas ela, como o antecessor Lula, decidiu, neste caso, render-se à lógica nefasta da "governabilidade". Render-se ao temor de que a demissão afastaria o PDT da base aliada. A presidente que angariou apoio popular graças à faxina ética preferiu na semana passada, fazer vista grossa à sujeira. Isso. obviamente, tem implicações. Entre elas, suspender a saudável ofensiva, até então em curso, destinada a desmontar máquinas de arrecadação instaladas pelos partidos nos ministérios. Caso do PCdoB no Esporte, do PMDB na Agricultura e no Turismo e do PR nos Transportes (veja o quadro na pág. 76). São essas engrenagens partidárias que servem de dínamo para a corrupção e o desvio de verbas. Com o aval do governo, surrupiam dinheiro de programas sociais e de obras para os cofres dos partidos e os bolsos dos correligionários. Diz o historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos: "O Brasil destoa das grandes democracias mundiais com este presidencialismo de transações que não são nada republicanas".
Desde a redemocratização, na década de 80, vigora no Brasil o chamado governo de coalizão. Funciona assim: o presidente da República de turno, para manter os partidos em sua órbita e receber deles votos favoráveis no Congresso, dá às legendas o controle de cargos importantes da máquina pública. De inicio eram ministérios. Com o decorrer dos anos, a fatura foi se tornando mais salgada. Agora, loteiam-se ministérios, autarquias, fundações e até os 23000 cargos comissionados à disposição do governo federal (veja o quadro na pág. 73). O rateio do butim garante a governabilidade mas, à custa, como mostram os recorrentes casos de corrupção, do suado dinheiro do contribuinte. "É possível governar sem o loteamento de cargos desde que sejam fechadas alianças programáticas", diz Villa. Ou seja: desde que o amálgama da base governista sejam ideias comuns para solucionar os problemas do país. "É preciso extinguir a maioria dos cargos de nomeação política. O Brasil é a única grande democracia a ter essa quantidade exagerada", acrescenta. A proposta é simples. Substituir os apadrinhados por servidores concursados. Trocar o QI - cínica abreviação do igualmente cínico "quem indica" - pela profissionalização e pela meritocracia. Dar uma visão empresarial a um estado tratado como bem privado por determinados setores.
Para o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), a reforma ministerial dará à presidente Dilma a possibilidade de romper com o sistema atual, no qual o loteamento de ministérios e de mais de 20000 cargos serve para amarrar os partidos ao governo. Fleischer considera prioritário acabar com a adoção do modelo chamado de porteira fechada, aquele em que o partido comanda todos os postos de uma estrutura administrativa - do titular de um ministério ao degrau mais baixo da hierarquia. Dilma já impediu algumas porteiras fechadas. Previdência e Minas e Energia, por exemplo, têm ministros indicados pelo PMDB, mas secretários executivos escolhidos pela própria presidente. São exceções. Desde junho, Dilma demitiu cinco ministros por irregularidades. Em todos os casos, trocou-os por colegas "" do mesmo partido, que continua indicando desde a secretária que anota recados até o diretor que libera o dinheiro. Para o experiente deputado Miro Teixeira, no décimo mandato como deputado federal, a queda dos ministros não passa de um "jogo de distração", no qual se corta a cabeça dos titulares mas se mantém a estrutura corrompida dos partidos nas pastas. "O ministério fica" com o mesmo partido e acaba por isso mesmo. Há um sistema organizado para roubar o dinheiro público. A presidente tinha de demitir antes de submeter os ministros à fritura e ir a fundo", diz o parlamentar do PDT. Cientes disso, partidos governistas operam para retomar espaços perdidos quando foram alvo da tal faxina ética.
O PMDB emplacou o novo ministro da Agricultura, indicou o sucessor de Pedro Novais no Ministério do Turismo e praticamente todos os demais diretores. O PCdoB ainda trabalha para reorganizar seus camaradas no bombardeado Ministério do Esporte. O PR, que amargou um prolongado período de desgraça nos Transportes, tentou no último mês reconquistar fatias de poder. No fim de outubro, nove deputados da sigla jantaram com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. Pediram rápida liberação de recursos para obras, mais trânsito no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e ascendência sobre a recém-nomeada diretoria da Valec, a estatal que cuida das ferrovias do país. ""Queríamos saber se o ministro estava ou não estava com a gente", conta o deputado Luciano Castro (PR-RR), anfitrião do jantar. Passos substituiu no ministério o senador Alfredo Nascimento, presidente nacional do PR. Desde a troca de comando, só tirou do partido o controle de uma das superintendências estaduais do Dnit. Os republicanos continuam, portanto, no comando das mesmas repartições denunciadas antes por cobrar propina de empresários. Foram-se os anéis, ficaram os dedos. "Os ministros são cada vez mais desqualificados. Esses postos, que deveriam ser ocupados por estadistas, terminam sendo loteados por aqueles que têm interesses meramente partidários. Isso vem se agravando governo a governo, e não há perspectiva de que possa melhorar", critica o cientista político Octaciano Nogueira, professor da UnB. "Falta dar um sentido ético à política", conclui. É justamente o que esperam os brasileiros - mas, infelizmente, o contrário do que sinaliza o governo com a permanência do patético Carlos Lupi à frente do Ministério do Trabalho.
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