segunda-feira, novembro 21, 2011
Dois por dois - J. R. GUZZO
REVISTA VEJA
Acaba de ser lançado em São Paulo, com preço a ser tratado reservadamente junto aos corretores, um prédio de apartamentos descrito como de luxo superior, com tudo aquilo que normalmente devem ter os prédios de apartamentos descritos como de luxo superior. Está num dos pontos mais caros de um dos bairros mais caros da cidade. Seus futuros moradores poderão dispor de seis vagas na garagem. Há o closet da senhora e o closet do senhor. Descobrem-se uma sala para motorista, uma adega e espaço para home theater. Brindam-se os possíveis interessados, no anúncio de lançamento, com as assinaturas do arquiteto e da decoradora. Nada de churrasqueira, brinquedoteca e "espaço zen" por aqui; isso é coisa de gente que pode ter ganho algum dinheiro mas não ganhou classe, e deve procurar o que considera "nobre" em outra freguesia. Mais que tudo, porém, o edifício em questão fornece a todos um notável retrato das realidades da vida neste nosso Brasil Potência de 2011 - as realidades como elas são de fato, e não como diz a propaganda, oficial ou privada, segundo a qual estamos a ponto de nos transformar num país rico e, principalmente, num "país de todos". Basta olhar a planta com um pouco mais de cuidado para sair da ilusão e entrar na vida como ela é. Os apartamentos, ali, têm 501 metros quadrados de área privativa. O quarto da empregada tem 4 metros quadrados - e isso no tamanho master, de dois por dois. Há um outro menor, de 2 metros por 1,95 metros.
Eis aí, na aritmética, o Brasilzão como ele sempre foi. Hoje somos capazes de emprestar dinheiro ao FMI. O ex-presidente da República garante que eliminou a pobreza neste país; deixou "só um pouquinho" para a sua sucessora resolver. Segundo ele, estamos a um passo da "perfeição" no sistema público de saúde, entre outros prodígios. O duro, neste Brasil de maravilhas, é continuar sendo empregada - e mais uma infinidade de coisas parecidas. Num dos edifícios mais exclusivos da cidade mais rica do país, a empregada só tem direito àqueles dois por dois de área útil; teria mais espaço morando na garagem. A construtora São José e o arquiteto William Simonato, a incorporadora Yuni, a GTIS Partners e a corretora Lopes, responsáveis pelo projeto, encontraram lugar na planta para uma "prataria", e até mesmo uma chapelaria; mas não julgaram necessário dar mais que 0,8% da superfície habitável para o quarto da doméstica. É o que acontece, nesta e em tantas outras decisões, quando se faz a melancólica viagem do marketing para o mundo real.
É claro que qualquer cidadão tem o direito de comprar um apartamento de luxo, ou dois, ou o prédio inteiro. Só não deve acreditar que vive no Brasil da empregada. Moram sob o mesmo teto, mas continuam separados por um abismo.
Dos tumultos que um grupo de estudantes provocou recentemente na Universidade de São Paulo falou-se bastante; foram apontados, sempre com toda a razão, seu deslumbramento com a desordem, sua confusão mental e sua violência vazia. Nada os absolve, mas também nada há de novidade no que fizeram. Estudantes, de tempos em tempos e pelo mundo afora, têm mesmo esses acessos de excitação, com graus variados de radicalismo. (A turma da USP não chega nem perto, por exemplo, de propor algo parecido à bandeira de um bando ultraextremado do "Maio de 1968" - na França queriam que fosse eliminada a iluminação pública, que a seu ver não passava de um instrumento da burguesia para proteger a propriedade privada durante a noite.) O que mais chama atenção, no caso de São Paulo, é o comportamento de uma parte dos professores. Por medo dos estudantes, ou para aproveitar a oportunidade de fazer cartaz sem correr riscos, ficaram a favor da "ocupação da reitoria" e do movimento para banir a presença da polícia no câmpus.
Não é um papel bonito, mas o que se há de fazer? A vida tem dessas coisas. O problema, na atitude dos professores, é a sua tentativa de justificar-se com raciocínios. O principal deles é especialmente cômico: com a PM no câmpus, alegam, bloqueiam-se a livre produção e a circulação de ideias, fator essencial para a existência de qualquer universidade. Com certeza há hoje em dia uma severa escassez de vida inteligente na USP; o risco de aparecer por ali algo parecido a uma ideia original, ou, uma simples ideia, é remoto. Mas o que a polícia tem a ver com isso? Não é o estado-maior da PM que escolhe os professores, monta os currículos ou dá as aulas. A culpa pela baixa qualidade das ideias está na ignorância, preguiça e falta de talento de quem é pago para tê-las - e só aí.
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Um comentário:
J.R.Guzzo, neste artigo Vossa Senhoria,demonstra, como sempre seu caráter e inteligência democrática. O Sr.é, para nossa felicidade, o terror dos politicos e empresários corruptos.Em minha cidade, nem os banheiros públicos obedece a lei de acessibilidade, que não é respeitada e aplicada pelos gestores públicos, Poder Judiciário e Ministério Pùblico. e
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