segunda-feira, novembro 21, 2011

A corrupção depois da chuva - EUGÊNIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA

O combate à corrupção no Brasil é uma questão de ira santa, de saúde civil, de urgência política. Com um detalhe: também é uma questão de meteorologia.

Foi isso que ficou demonstrado no feriado de 15 de novembro. Marcadas para tomar ruas e praças de várias cidades do país no dia da Proclamação da República, as gloriosas passeatas anticorrupção registraram um declínio diluviano em relação às manifestações do feriado do mês anterior, no dia 12 de outubro. É que choveu demais, você sabe. Em Brasília, os manifestantes minguaram de 20 mil para apenas 30 indivíduos. Em São Paulo, de 2 mil para 200. Os organizadores lamentaram as tempestades e prometeram outra jornada de protestos para 9 de dezembro. Tomara que faça sol.

Para comparar: no mesmo feriado, sob as águas impiedosas de São Pedro, dezenas de milhares de fiéis da Assembleia de Deus lotaram dois estádios de futebol para festejar os 100 anos de sua igreja. Uma das celebrações, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, contou com 30 mil espectadores nas arquibancadas e com vários políticos sorridentes no gramado, entre eles o ex-governador paulista José Serra, o ministro Gilberto Carvalho e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Usavam capas de plástico. A fé é impermeável. Quanto à ira santa dos caçadores de corrupto, bem, esta é mais hidrófoba.

Volátil, o recente movimento contra a corrupção repele políticos e partidos. Declaradamente apartidário, tem uma dinâmica um tanto líquida, apesar da hidrofobia. Sua bandeira, não obstante, é sólida: uma vassoura verde e amarela, bem fotogênica, bem televisiva, que faz boa figura nos telejornais. Feita de fibras sintéticas, a vassoura verde e amarela é, evidentemente, à prova d"água – o que não adiantou muito: vassouras prestam bons serviços à dona de casa, mas ainda não substituem guarda-chuvas.

Fora as precipitações pluviométricas, a vassoura na estética política não constitui propriamente uma novidade: ela nos lembra Jânio Quadros, cuja relação com os líquidos era diversa e controversa e cuja relação com a ética pública era estrepitosa, inócua e inconsequente. Tão inócua que, de Brasília, Jânio varreu pouca matéria além de si mesmo. Ele não logrou acabar com a roubalheira, apenas nos legou um folclore divertido e esta metáfora persistente: que a improbidade administrativa é uma sujeira, é algo de imundo, um lixo que precisa de uma boa limpeza em regra, de uma faxina.

Palmas para as vassouras. Palmas para as faxinas. Mas só elas não bastam para combater os corruptos

A metáfora janista é essencialmente moralista. Faz acreditar que o desvio de dinheiro público se deve apenas à falta de caráter dos maus políticos e ponto. Assim mesmo, bem moralista, ela ficou. A vassoura resiste como símbolo dos honestos contra os salteadores dos cofres públicos. Não por acaso, o termo faxina vem servindo para designar as demissões de ministros acusados de falcatruas, demissões que vão se tornando praticamente mensais. Essas duas palavras, vassoura e faxina, encerram a promessa de que a administração pública pode ser higienizada, depurada, numa assepsia que a tornará melhor e mais virtuosa.

Corruptos normalmente são comparados a ratazanas e baratas, que proliferam onde há detritos, podridão e esgotos. São beneficiários e agentes do lixo. Daí que, se a faxina for bem feita, os corruptos, como os ratos, tendem a desaparecer. É essa a fantasia moralista: se varrermos os viciosos das repartições, nada mais de errado será perpetrado contra o povo, pois a eliminação dos criminosos limpará todo o sistema. Nesse ponto, o moralismo pode conduzir às utopias autoritárias. E, aqui, é um perigo.

Não que não seja indispensável punir os ladrões. O problema é que o discurso moralista, sozinho, é simplesmente incapaz de puni-los com eficácia. A indignação moral, que todos sentimos, é um sentimento justo, mas não é um instrumento justo. Nenhum país que combateu a corrupção com algum sucesso ficou apenas no discurso da assepsia moral. Para prender os ladrões e seus corruptores – e para inibir a prática da corrupção –, é preciso aprimorar a lei, acelerar o Judiciário e assegurar a transparência total da máquina pública.

No mais, assim como o vício dos corruptos não explica todo mal, a virtude dos caçadores de corruptos não conduz a todo bem. Moralistas também têm medo de chuva. Portanto, palmas para as vassouras verdes e amarelas, que elas são boas. Palmas para as faxinas. Mas vamos radicalizar – e institucionalizar – o combate à corrupção. Quanto antes.

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