O GLOBO - 29/11/11
Fatos e boatos se misturaram ontem para dar gás ao mercado. As bolsas da Europa dispararam com a notícia de um jornal italiano de que o FMI daria um aporte de C 600 bilhões ao país. O que é um volume fantasioso. França e Alemanha teriam chegado a um acordo sobre como lidar com a crise. As vendas do Black Friday nos EUA surpreenderam — isso é verdade.
No Brasil, houve um fato a mais: o IBGE mudou a ponderação do índice IPCA e isso fez cair as projeções de inflação e juros para o ano que vem. Alguns preços terão peso menor. Pela nova base, a inflação do ano que vem pode ser menor.
Na Europa, as bolsas tiveram o maior ganho diário desde outubro. Paris subiu 5,46%. Frankfurt e Milão subiram 4,6% e Madrid avançou 4,59%. Londres ganhou 2,87%. Nos EUA, o índice Nasdaq fechou em alta de 2,94%; o S&P subiu 2,39% e o Dow Jones, 2,16%. No Brasil, o dólar recuou 1,74% e o índice Ibovespa fechou em alta de 2,04%. Um dia de altas generalizadas, como se os problemas tivessem desaparecido. No fim do pregão, a agência de risco Fitch colocou a dívida americana em perspectiva negativa.
O jornal "La Stampa" afirmou no domingo que o governo italiano está em negociação com o FMI para receber um aporte de C 600 bilhões. Tanto o Fundo quanto dirigentes europeus negaram a notícia, mas os investidores queriam uma notícia boa e preferiram acreditar no rumor. No seu twitter, o economista Nouriel Roubini disse que pelas cotas de cada país no Fundo, a Itália poderia receber um aporte de até C 40 bi, que não seria suficiente para tirar o país da berlinda. O mercado também se agitou com a notícia, ainda não confirmada, de que Alemanha e França teriam finalmente chegado a um acordo sobre como lidar com os gastos públicos na região. É esperado para hoje, na reunião dos ministros das Finanças da Zona do Euro, o anúncio de algum tipo de unificação das políticas fiscais.
Nos EUA, o otimismo veio pelo aumento das vendas da tradicional Black Friday, o dia das mega-promoções nas lojas, que cresceram 16% este ano. Pelo lado político, o presidente Barack Obama recebeu o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, o Presidente da Comissão Europeia, Jose Manuel Durão Barroso, e outras autoridades europeias para um almoço na Casa Branca. Em declaração conjunta, os líderes disseram que tomariam todas as medidas necessárias para combater a crise.
Dos boatos aos fatos, no mesmo dia a Moody’s emitiu relatório alertando sobre a escalada de riscos na Europa. Disse que os países da Zona do Euro podem ter as notas de crédito rebaixadas. Afirmou que a probabilidade de um calote múltiplo na região não é mais irrelevante. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), por sua vez, afirmou que a Europa já está em recessão e que o desemprego espanhol continuará subindo em 2012, e ficará acima de 20%.
Em entrevista coletiva no Brasil, o economista-chefe para América Latina do banco francês BNP Paribas, Marcelo Carvalho, afirmou que o banco revisou para baixo as projeções de crescimento mundial de 2012, de 3,4% para 3,1%. A Europa deve ficar estagnada, com retrações de 4,7% em Portugal; 3,7% na Grécia; 0,9% na Espanha e 0,8% na Itália. Carvalho não acredita em solução na Europa que não passe pelas compras de títulos por parte do Banco Central Europeu (BCE).
— Temos um quadro binário de projeção para economia mundial, com risco razoável de irmos para o cenário pior. Não enxergamos nenhuma solução de curto prazo para a Europa que não leve o BCE a comprar os títulos das dívidas dos países. Mas é preciso que a Europa avance na integração fiscal. O BCE quer, antes, que aumentem os instrumentos de controle sobre os gastos dos governos — disse.
O economista acredita que o Brasil está mais resistente mas não imune à crise, que estaria nos atingindo por quatro canais: balança comercial, balança de pagamentos, restrição do crédito e queda das expectativas. O banco francês prevê que isso fará o PIB brasileiro terminar o ano de 2011 com crescimento de 2,8% e em 2012 deve crescer apenas 2,5%, mesmo com a redução dos juros. A inflação, ainda assim não deve atingir o centro da meta de 4,5% no final do ano que vem.
— A inflação já bateu no pico e começou a recuar, mas dificilmente cairá a ponto de atingir o centro da meta de 4,5% no final de 2012. O mais provável é que fique mais perto do topo, de 6,5%, do que do centro — explicou Marcelo, citando a inflação de serviços como a principal causa para a resistência nos preços.
Mas isso foi antes da nota do IBGE informando sobre a nova ponderação dos índices do IPCA. Isso fez alguns economistas reduzirem a projeção da inflação do ano em 0,2 a 0,4 ponto percentual. O economista Luis Otávio Leal, do Banco ABC Brasil, explica que as principais mudanças foram justamente nos serviços:
— O item educação perdeu peso no índice, assim como gastos com empregadas domésticas. Isso fez diminuir peso dos serviços. O cigarro, que teve o aumento de preço adiado pelo governo deste ano para o ano que vem, também ficou com peso menor.
Há muita incerteza no ar na economia internacional. A euforia de ontem foi mais baseada nos boatos que nos fatos.
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