sexta-feira, novembro 18, 2011

As notas em risco - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 18/11/11

É excelente a notícia de que o Brasil teve outra promoção na mais conhecida das listas de classificação de risco. O Brasil merece porque ao longo dos anos melhorou os indicadores, porém as agências, como se sabe, erram muito. Tanto que a Itália com sua dívida mamútica continua à frente do Brasil, e a França tem a melhor nota do mundo apesar de estar sendo olhada com desconfiança.

Promover o Brasil faz sentido, manter o triplo A da França não faz sentido. Considerar que a Itália é A, três degraus à frente do Brasil, é um espanto.

A Itália tem 120% de dívida/PIB e ela continuará crescendo nos próximos anos. O Brasil tem quase a metade disso e tem grande chance de reduzir a dívida. Só ontem o Brasil passou Portugal e continua atrás da Irlanda e os dois países foram resgatados recentemente pela Comissão Europeia e pelo FMI.

O Brasil em abril de 2008 foi considerado grau de investimento pela Standard & Poor’s, desde então foi promovido apenas ontem. Era BB+, foi para BBB-, e ontem, para BBB. Mas o país passou relativamente bem pela crise de 2008. O Brasil teve uma forte queda de crescimento, a dívida subiu de 65% para 68% do PIB, mas depois retomou a trajetória de queda e está agora em 64%, segundo dados do FMI. Os países grandes que têm nota máxima ou notas bem acima do Brasil tiveram uma forte deterioração fiscal nos últimos anos (vejam no gráfico abaixo).

A dívida brasileira não é tão baixa quanto o governo diz. Aqui, é usada o conceito de dívida líquida, que desconta da dívida as reservas cambiais. Mas a S&P usa um conceito próprio de dívida bruta, que dá 55%.

De qualquer maneira a contradição maior vem da comparação com outros países que estão na nossa frente.

Há inúmeros países pequenos que têm nota melhor do que a do Brasil, como Botswana, por exemplo, mas o que as agências medem é a capacidade de pagamento da dívida. Nem é exatamente o tamanho da dívida.

Por isso, houve tanta controvérsia quando a S&P rebaixou os Estados Unidos de AAA para AA. A dívida americana é alta e estava no meio do debate no Congresso sobre elevar ou não o teto do endividamento do país. Mesmo assim, os investidores continuaram e continuam correndo para títulos do Tesouro americano a cada momento que há uma dúvida em relação a qualquer parte da economia mundial. Ou seja, o mercado continua disposto a financiar o governo americano.

Assustada com o impacto da notícia do rebaixamento dos EUA, a S&P não usou o mesmo critério para a França, que continua com o triplo A, apesar dos indicadores franceses terem se deteriorado.

Ontem o seguro contra o risco de calote da França cresceu para 236 pontos-base. Isso significa que quem tem US$ 10 milhões emprestados à França teria que pagar 236 mil euros por ano. Isso é outra medida de risco, mais nervosa e mais concreta porque significa o que o mercado está exigindo no momento.

Não são relacionados, mas quando se vê esse movimento no mercado fica claro que não se pode dizer que a França é um país sem risco. E é isso que quer dizer o triplo A. O curioso é que dias atrás a Standard & Poor’s soltou uma informação de que havia tirado um A da França. E em seguida ela disse que fora um erro. Nunca explicou como é mesmo que acontece uma coisa dessas. É no mínimo irônico.

A melhora na nota do Brasil vem tarde porque passamos de forma mais sólida pela crise do que vários outros países. Grandes economias pioraram muito. A cartela de notas das agências já não conversa com a realidade.

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