Poder fragilizado
MERVAL PEREIRA
O Globo 22/05/11
A operação que está em curso para o Executivo tentar controlar o incêndio político provocado pelas denúncias sobre a “consultoria” que o hoje Chefe do Gabinete Civil Antonio Palocci mantinha quando era deputado federal e coordenador da campanha presidencial da atual presidente Dilma Rousseff, de 2006 a 2010, explicita, tanto quanto o fato em si, a fragilidade do Legislativo como poder atuante, e a característica perversa do nosso “presidencialismo de coalizão”, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches para explicar a maneira como nos organizamos politicamente a partir de um sistema presidencialista que tem resquícios de parlamentarismo legados pela Constituição de 1988.
Mesmo com uma ampla maioria parlamentar, o Executivo se movimenta para “adoçar” a boca dos muitos deputados e senadores descontentes com o não cumprimento de promessas de cargos e salários no segundo escalão do governo com o preenchimento de presidências e diretorias de estatais, autarquias e bancos oficiais.
Diz-se que o descontentamento é “suprapartidário” e abrange parlamentares dos dois maiores partidos da coalizão PT, PMDB, indo além para as bordas da aliança, atingindo siglas de tendências diversas: PSB, PC do B e PR.
Outro cientista político, Luiz Werneck Vianna descreveu recentemente esse fenômeno que chamou de “circuito perverso”, que faz com que parlamentares governistas desfrutem acesso aos recursos públicos e influência entre os agentes responsáveis pelas políticas públicas.
Como conseqüência, constata Werneck Vianna, “reforça-se a dissociação entre representantes e representados, e se reduz a cidadania a uma massa de clientes”.
Esse circuito que leva ao desfiguramento da representação popular tem vários caminhos: ou o deputado permanece no Legislativo atuando como intermediário entre interesses particulares e o Executivo, através de “consultorias” ou outras formas de atuação, ou tenta galgar um lugar no próprio Executivo, de onde poderá movimentar sua máquina política.
Ou ainda permanece na base governista fazendo pressão política a cada votação importante para transformar seu apoio em nomeações.
É o que está acontecendo neste momento no Congresso, onde o governo precisa de sua “maioria defensiva” para tentar barrar uma CPI para investigar a “consultoria” de Palocci ou mesmo evitar uma convocação para que se explique em uma das Comissões existentes.
O enfraquecimento da figura do até então ministro mais poderoso do governo Dilma retira dele a capacidade de negociação, como se vê na etapa final da tramitação do Código Florestal.
Não que a base governista tivesse condições de resistir à maioria suprapartidária que se formou a favor do texto do relator Aldo Rebelo, mas o que já era frágil enfraqueceu-se mais ainda, sendo até mesmo discutível se a presidente Dilma terá condições políticas de arrostar essa maioria vetando eventuais destaques que sejam aprovados em plenário.
A quarentena a que se submeteu a presidente, diante de um quadro de pneumonia que tudo indica foi minimizado pelos relatórios médicos com intenções de não conturbar o ambiente político, também agrava a situação, formando um quadro de apatia governamental propício aos aventureiros de sempre.
A postura dos deputados e senadores – com as exceções de praxe – que se colocam em posição subalterna ao Executivo, ora brigando por vagas no Ministério, ora se utilizando de suas prerrogativas para ganhos pessoais, é uma deturpação dos valores do presidencialismo e indica uma tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo.
A disputa de poder político fica restrita ao comando do Executivo, que coopta os aliados não com propostas de governo, nem com projetos de poder, que este é destinado à cúpula petista. Um sinal claro é que, no núcleo decisório do governo Dilma, não há ninguém eleito pelo voto, embora todos sejam da máquina partidária petista.
Um parlamentar que vai para o Ministério nessas condições, ou negocia seu apoio em troca de favores, abre mão de exercer um papel efetivo como membro de um dos poderes da República para aceitar papel secundário diante de outro poder.
A desagregação cada vez maior dos partidos políticos, e a abrangência da base governista, um agrupamento disparatado de partidos que não fazem liga programática, mas fisiológica, leva a que a negociação política obedeça cada vez mais a interesses pessoais, e os políticos fiquem apenas com a aparência de poder.
Como não estamos no parlamentarismo, a maneira como os partidos negociam seus pedaços de poder os transforma em meros coadjuvantes, que não palpitam - e nem desejam - nas diretrizes que porventura vierem a ser adotadas pelo governo a que aderiram por mero desfrute do poder.
Assim como para exercer um cargo técnico, como o de presidente do Banco Central, um político eleito tem que abrir mão de seu mandato – foi o caso de Henrique Meirelles, que renunciou ao mandato de deputado federal por Goiás - todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam renunciar aos mandato para servir ao Poder Executivo.
Mas raros são os que têm essa percepção ou essa visão da política. A maioria quer um ministério para, a partir dele, fazer política própria, e não para ajudar a implementar um programa de governo previamente aprovado nas urnas.
Da mesma forma, também o Executivo arma seu ministério com diversos ministros que simplesmente nunca despacham com a presidente, resultando que de um grupo de 37 membros, apenas meia dúzia tem realmente importância para os rumos do governo.
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