APRENDIZES E TURISTAS
ROSELY SAYÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
CONSUMIR é muito bom: é um prazer, compensa alguns dissabores da vida e ainda dá status e visibilidade social. A pessoa que consome tem reconhecimento, sente que vive de verdade.
Podemos dizer, hoje, que aquela conhecida afirmação cartesiana "penso, logo existo" foi substituída por "consumo, logo existo".
Assim, pensamos e agimos porque o contexto da vida atual nos leva a dar importância extrema ao consumo, qualquer que seja o tipo.
Entre tudo aquilo que podemos comprar, o lazer tem sido um filão que cresce sem parar. O turismo, em especial, tornou-se um dos principais sonhos de consumo de muitas famílias.
Quem tem filhos pequenos planeja cuidadosamente as finanças, para poder passar uma temporada na praia ou no campo, em algum hotel do tipo resort.
Ah! Que felicidade passar uma semana ou mais descansando a mente e colocando o corpo para trabalhar sob as ordens e a programação do pessoal especializado do hotel, não é verdade?
Mais do que isso: além de você não ter de se ocupar com as suas próprias escolhas durante esses dias, que delícia que é entregar os filhos, para que eles se divirtam o dia todo. E basta apenas aguardar que eles cheguem ao final do dia, exaustos de tantas atividades que fizeram, sem ter de pedir sugestão alguma aos pais.
Já quem tem filhos um pouco maiores ou adolescentes programa uma viagem ao exterior, de preferência.
Faz parte do pacote de ser um consumidor refinado levar os filhos à Disney, fazer compras com eles em outros locais dos Estados Unidos ou -mais sofisticado ainda- passar alguns dias em países da Europa.
Os turistas do mundo do consumo não se ocupam muito com a cultura que uma viagem dessas poderia possibilitar para crianças e adolescentes. Já com as compras... uau!
O grande problema, para quem tem filhos e quer viajar com eles, sejam eles crianças ou adolescentes, é que os preços disparam exatamente no período das férias escolares.
Aliás, não é por acaso que chamamos esse tempo de "alta temporada".
Mas para tudo há um jeitinho. Estamos criando uma nova maneira de contornar os altos preços, de forma a conseguir realizar o sonho da viagem turística em família.
Muitas famílias já começam a fazer viagens de mais de uma semana em pleno período de aulas.
E a escola dos filhos, como é que fica?
Ah, os pais dão um jeito nisso. Alguns comunicam à escola que, por causa da viagem da família, os compromissos escolares deverão ser realizados em outras datas. E as escolas, em geral, atendem, ou melhor, obedecem aos pais dos seus alunos.
O que falta é conversar com os filhos a respeito, fazer com que saibam que eles têm o direito de faltar às aulas dentro de um limite estipulado, mas que terão de administrar isso. Mesmo assim, eles precisam saber, também, que terão de arcar com as consequências das faltas no período da viagem.
Isso pode significar muitas coisas, dependendo da organização da escola e das suas normas de funcionamento.
Se os pais simplesmente resolvem os problemas que geraram para o filho, que lições estão dando a ele?
Que a vida escolar não é de fato tão importante quanto dizem; que não é preciso comprometer-se com as próprias responsabilidades e que tampouco é preciso arcar com as consequências de seus atos e suas escolhas.
E para fechar com chave de ouro a formação deles: consumir é mais importante do que qualquer outra coisa.
Depois, não vale reclamar dos comportamentos dos mais novos resultantes das lições que ensinamos.
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