Valeu
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
A IMPRENSA americana não achou oportuna a viagem de Barack Obama à América Latina. Enquanto as forças da Otan iniciavam o ataque à Líbia, o presidente dos EUA assistia a apresentações de capoeira e chutava bola com garotos no Rio. Por essa razão, a mídia americana, de olho na Líbia, deu pouco destaque às andanças de Obama no Brasil.
Dada a gravidade da crise na Líbia, Obama tinha motivos de sobra para cancelar a viagem na última hora, mas não o fez, e isso foi, no mínimo, um bom sinal.
Por aqui, a imprensa deu grande destaque à visita, o que é natural. Afinal, trata-se de um presidente carismático da maior economia do mundo em sua primeira viagem ao continente. Mas que resultados podem ser esperados dessa visita?
De imediato, há pouco resultado prático. O principal problema do Brasil em sua relação com os Estados Unidos é o protecionismo americano. Nada mudou nessa matéria. Entre os dez acordos assinados, há um sobre cooperação econômica, cujo objetivo é remover entraves ao intercâmbio comercial entre os dois países e aos investimentos.
Na prática, portanto, prevalece um vigoroso comportamento protecionista por parte dos americanos, cuja mudança, aliás, depende muito do Congresso americano e quase nada de Obama, por mais bem-intencionado que ele esteja.
A entrada de etanol brasileiro nos Estados Unidos, por exemplo, paga uma taxa adicional de US$ 0,54 por galão, o que inviabiliza as vendas. Enquanto isso ocorre para atender ao lobby dos produtores de milho americanos, o petróleo entra livremente naquele país, em flagrante desincentivo ao uso de combustível líquido mais limpo.
Não há espaço para detalhá-las, mas o Brasil sofre com várias outras barreiras protecionistas que prejudicam o acesso de produtos como aço, suco de laranja e carnes ao mercado americano. Nenhuma palavra sobre essas restrições saiu da boca de Obama, ainda que o presidente democrata tenha pouca influência na modificação dessas normas no Congresso americano, agora majoritariamente republicano.
O fato é que o tema número um no contencioso entre os dois países foi tratado genericamente. Isso é péssimo, porque o Brasil amargou um deficit de US$ 7,7 bilhões em 2010 no comércio com os EUA, um recorde. Em 2005 e 2006, o país chegou a obter dois superavit anuais de US$ 9,8 bilhões. Está clara, portanto, a deterioração da qualidade do comércio em prejuízo do Brasil, inclusive porque vendemos cada vez mais produtos primários e cada vez menos manufaturados. Em 2010, só 51% das vendas eram de manufaturas, percentual que chegou a alcançar 72% dez anos antes.
As declarações de Obama, que não focaram esse tema diretamente, portanto, foram mais perfumaria. Ele demonstrou "apreço" pela reivindicação brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, um apoio, se é que se pode dizer assim, muito menos enfático do que o feito por ele em relação à Índia no ano passado.
Os acordos para liberação de voos comerciais podem configurar um avanço, desde que se avalie com cuidado o impacto que isso poderá causar nas companhias aéreas brasileiras, que terão de enfrentar a concorrência direta das gigantes americanas nas rotas entre os dois países.
Nessa mesma área do turismo, nenhum sinal foi dado sobre a odiosa exigência de visto para os cidadãos brasileiros que entram nos Estados Unidos -em represália, o Brasil faz o mesmo com os americanos-, ato que contrasta com o discurso de que o Brasil se tornou um país sério, e não mais "do futuro". É como se disséssemos que o país é sério, mas seus cidadãos, não.
A visita de Obama ao Brasil foi badalada. Ambos os lados se esforçaram para mostrar consideração e respeito. Poucos cartazes de "Obama go home" foram vistos. Embora um grupo radical tenha estourado uma bomba em frente à embaixada americana no Rio, atitude deplorável, o clima foi de cordialidade. Infelizmente, porém, como disseram alguns analistas, a viagem passará para a história mais pelo fato de o presidente americano ter autorizado daqui o ataque à Líbia do que pelos acordos assinados.
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