Risco de inflação
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/03/11
No governo, há quem acredite que a inflação é só sazonal porque normalmente é assim quando é de alimentos. Mas, desta vez, ela está mais duradoura. Mesmo que alguns produtos tenham caído de preço, a queda não é suficiente, e há vários fatores que tornam certas pressões mais permanentes. E nem toda a inflação é de produtos com base agrícola.
- Estou muito preocupado com a inflação porque é o segundo janeiro consecutivo em que o índice de dispersão é de mais de 70% no IPCA (percentual de preços que subiram num índice). Serviços estão com alta forte e vão continuar assim porque refletem a pressão do mercado de trabalho. O resultado é que está havendo uma reindexação. Toda discussão de reajuste de preço começa em 6% - disse José Roberto, da consultoria MB Associados.
O Brasil está importando álcool e gasolina. Esse é o período da entressafra da cana-de-açúcar. Mas não é só por isso:
- Falta cana também, e há um bom motivo para produzir mais açúcar: os preços subiram. As usinas de álcool estão ainda se recuperando da crise de 2008. Muita gente foi apanhada no contrapé com investimentos fortes, endividamento alto. Houve consolidação, redução da produção, atraso no pagamento de fornecedores. Tem produtor de cana que ficou oito meses esperando para receber e não teve capital para ampliar o canavial. O açúcar subiu, e houve aumento da demanda por cana. Tudo isso afetou diretamente a produção de álcool. Além disso, há muito mais carro na rua absorvendo combustível.
Outra fonte de demanda por álcool é a alcoolquímica, segundo José Roberto. Alguns produtos como plástico e solventes começam a ser feitos com base em álcool, para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Ele acha que esse processo está só no começo e que novos produtos verdes vão surgir para substituir produtos da petroquímica.
Até recentemente, o único alimento importante que não havia tido aumento significativo de preço tinha sido o arroz. Mas aí houve o terremoto e tsunami no Japão:
- A área onde aconteceu o terremoto produz 40% da produção de arroz do Japão. Ela foi destruída, a água está contaminada. Isso afetará os preços.
Nos últimos anos, houve aumento forte de grãos e carne. Subiram trigo, milho e soja que, junto com a carne, formam a parte mais importante da alimentação. Ainda que tenha havido uma pequena queda de commodities como efeito de crise internacional, eles estão em níveis elevados. Leite também teve aumento forte no mundo. Há produtos que já sentem o efeito direto das mudanças climáticas, então devem continuar com preço alto:
- O café é o exemplo perfeito disso. Há falta de café de qualidade no mundo. Na Colômbia, por exemplo, as áreas produtoras enfrentaram um aumento médio de temperatura de meio grau a um grau centígrado nos últimos 20 anos em comparação com o período anterior. Houve também uma concentração da precipitação. Essa temperatura e a concentração das chuvas fizeram aparecer por lá pragas novas que estão destruindo o café. Uma dessas pragas é a nossa conhecida ferrugem. Dificilmente o preço do café cai a curto prazo.
Claro que continuará a haver oscilação. Em abril, acaba a entressafra da cana-de-açúcar. Os preços oscilam na safra e entressafra, mas não caem aos níveis em que estavam antes da escalada.
Hoje, os preços que não estão subindo são os chamados "tradables", produtos que podem ser importados. E não estão subindo por causa do câmbio. O problema é que a queda do dólar tem outros efeitos negativos para a economia, e o governo luta contra esse fenômeno com medidas como a que anunciou ontem, o aumento do IOF a 6,38% sobre compras de cartão de crédito no exterior. No ano passado, só de gastos na conta turismo foram US$10 bilhões de déficit. A medida é necessária. Mas pode não surtir nenhum efeito, exceto o aumento da arrecadação. E se surtir efeito elevando o dólar, a inflação terá mais um ponto de pressão:
- A inflação de serviços, não há sinal de que vá cair a curto prazo. Nós estamos prevendo, aqui na MB, uma inflação de 9,2% nesses preços. Serviços é o "non-tradable" clássico; não dá para segurar preço importando e a pressão vem do mercado de trabalho muito aquecido e do aumento da indexação.
Esta semana, o Banco Central vai divulgar o Relatório de Inflação, que sai trimestralmente, e os analistas poderão tirar dúvidas sobre qual é a estratégia do BC para enfrentar tantas pressões ao mesmo tempo. Ontem, o relatório Focus do Banco Central, baseado em previsões do mercado financeiro e das consultorias, elevou de novo a previsão de inflação deste ano, para 6%, e do ano que vem. A dúvida é se o BC vai aceitar mais inflação este ano e lutar para convergir para a meta de 4,5% apenas em 2012.
O álcool enfrenta aumento de consumo; redução de investimentos por causa da crise de 2008; e competição com preços do açúcar, que quase dobraram em um ano. O café sofre os efeitos da mudança climática: calor e concentração de chuva estão atingindo a produção na Colômbia. Por vários casos assim é que o economista José Roberto Mendonça de Barros acha que a inflação não vai cair.
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