segunda-feira, março 21, 2011

JAMES M. ACTON

Energia nuclear vale o risco
JAMES M. ACTON
O ESTADO DE SÃO PAULO - 21/03/11

Crise após terremoto e tsunami no Japão traz segurança de volta à posição de destaque no debate nuclear

Até o dia 11 de março, com o 25.º aniversário do acidente de Chernobyl se aproximando - e as memórias do desastre cada vez mais distantes - as preocupações de segurança não eram mais o argumento definitivo contra a energia nuclear que já foram outrora. Em vez disso, outro medo, o da mudança climática, parecia ser capaz de promover uma "renascença nuclear" conforme os países buscavam fontes energéticas livres do carbono. Mas a crise que se desenrola atualmente na usina nuclear de Fukushima, no Japão, vai trazer a segurança de volta à posição de destaque no debate nuclear.

Até os mais ardentes defensores da indústria reconhecem agora que a crise envolvendo dois dos reatores da usina - transmitida ao vivo pela televisão para todo o mundo - lançou dúvidas sobre o futuro deste ramo.

Independentemente disso, os benefícios da energia nuclear ainda são convincentes. Todas as formas de geração de energia trazem riscos. Os combustíveis fósseis, que (ao menos por enquanto) são os principais rivais da energia nuclear, trazem o risco de uma catastrófica mudança climática. E, como estamos vendo no Japão, não eliminamos os perigos associados à energia nuclear, apesar de os acidentes serem raros.

A boa administração pública deve pesar estes riscos. Entretanto, não será fácil convencer o público a aceitar os riscos da energia nuclear.

Para fazê-lo, a indústria nuclear terá de resistir à poderosa tentação de dizer que o acidente no Japão é simplesmente uma confluência extraordinariamente improvável de eventos e tudo vai bem. Em vez disso, ela deve reconhecer e corrigir as deficiências da abordagem atual para as questões de segurança.

Em se tratando da segurança, a indústria nuclear enfatiza o conceito de "defesa em profundidade". Os reatores são projetados com camadas de sistemas redundantes de segurança. Há o sistema central de resfriamento, um sistema reserva, uma reserva para o reserva, uma reserva para a reserva do reserva e assim por diante.

Um acidente de grandes proporções só poderá ocorrer se todos esses sistemas falharem ao mesmo tempo. Ao acrescentar camadas de redundância, a probabilidade de um acidente catastrófico deste tipo pode - ao menos em tese - ser considerada desprezível.

A defesa em profundidade é uma boa ideia. Mas sofre de uma falha fundamental: a possibilidade de um desastre desativar todos os sistemas de reserva. Um reator pode ter tantas camadas de defesa quanto desejarmos, mas se todas elas puderem ser desativadas por um mesmo evento, então a redundância contribui muito menos para a segurança do que seria de se pensar. Este tipo de problema ocorreu em Fukushima no dia 11.

Assim que o terremoto foi sentido, os reatores iniciaram procedimentos de emergência: as barras de controle, usadas para modular a velocidade da reação nuclear, foram inseridas nos núcleos dos reatores, desativando as reações nucleares. Até aí, tudo bem. Ainda assim, os núcleos ainda estavam quentes e precisavam ser resfriados. Isto por sua vez exigia eletricidade para ativar as bombas, que injetam água para resfriar o combustível.

Infelizmente, uma das conexões com a rede elétrica externa, projetada para garantir o fornecimento de energia numa contingência deste tipo, foi afetada pelo terremoto. Isto não seria problema, pois havia um sistema reserva. Mas, de acordo com novas notícias divulgadas pela operadora da usina, o defeito em uma das fontes externas de energia provocou uma perda generalizada no fornecimento de energia para a usina.

Mais uma vez, isto não seria problema. Havia um sistema de reserva para o sistema de reserva, sob a forma de geradores a diesel instalados na usina. E, como era de se esperar, estes foram ativados. Mas, 55 minutos mais tarde, os geradores foram atingidos pelo tsunami que se seguiu ao terremoto. A partir daquele momento, os funcionários da usina iniciaram uma luta desesperada para evitar o derretimento dos núcleos.

Os reguladores japoneses sem dúvida estão cientes do perigo representado pelos terremotos; eles levam as preocupações de segurança muito a sério. Como outros edifícios no Japão, os reatores nucleares são construídos para resistir aos tremores. O problema, como sabemos agora, é que existe a possibilidade de estes se tornarem vítimas de eventos ainda mais extremos do que os previstos em seus projetos.

Este problema foi destacado pelo terremoto próximo à usina Kashiwazaki-Kariwa em 2007. O movimento da terra gerado pelo terremoto excedeu os limites de resistência do projeto da usina. Felizmente, um acidente de grandes proporções não ocorreu; os sistemas de segurança funcionaram como o esperado apesar do impacto físico do terremoto. Entretanto, antes que a usina pudesse ser reaberta, novas medidas de segurança foram implementadas para garantir que a instalação fosse capaz de resistir a sismos ainda mais poderosos.

Preocupação. É claro que as questões levantadas pelos terremotos de 2007 e 2011 são relevantes para todo o mundo, e não apenas para o Japão.

O que precisamos agora é de uma avaliação sóbria e cuidadosa daquilo que os engenheiros chamam de "bases de projeto" para todas as usinas nucleares do mundo - as que já estão em funcionamento, as que estão em construção e as que se encontram em fase de planejamento.

Especificamente, precisamos determinar se elas são de fato capazes de suportar toda a gama de desastres - sejam naturais ou provocados pelo homem - que podem afetá-las, de enchentes e terremotos até o terrorismo.

Mesmo após o desastre atual do Japão, é improvável que a indústria nuclear se mostre receptiva a um exercício deste tipo. É quase certo que ela defenda que uma reavaliação generalizada não se justificaria por causa da adequação dos padrões existentes. Mas depois que dois terremotos em menos de quatro anos abalaram os reatores japoneses para além dos limites de seu projeto, este argumento perdeu a credibilidade.

Trata-se de um raciocínio que revela as próprias inconsistências.

Para que haja uma expansão da energia nuclear, o público precisa confiar na indústria nuclear. As pessoas precisam acreditar que as operadoras dos reatores nucleares os usem de maneira segura. Precisam confiar na capacidade dos reguladores de proporcionar supervisão adequada. E talvez o mais importante: precisam confiar na capacidade dos engenheiros de criar reatores que superem as vulnerabilidades dos modelos mais antigos.

Este último ponto é fundamental. Novos reatores, dotados de mecanismos aprimorados de segurança, certamente não teriam sofrido o mesmo destino daqueles na usina de Fukushima, que têm mais de quatro décadas. Mas convencer o público disso será agora muito difícil.

Depois de Chernobyl, a indústria nuclear afirmou que - em se tratando da segurança - os reatores soviéticos do tipo RBMK, como o envolvido no acidente de 1986, eram tão semelhantes a reatores ocidentais modernos quanto um bote inflável se parece com um transatlântico. E eles estavam certos. Mas este argumento teve pouco impacto, pois a indústria nuclear tinha perdido a confiança do público.

É vital que a indústria nuclear não cometa agora o mesmo erro. Ela não deve tentar empurrar as questões de segurança para baixo do tapete ao dizer às pessoas que tudo está bem e não há motivo para preocupação.

Esta estratégia simplesmente não vai funcionar. Mas reconhecer a existência de um problema e trabalhar na sua solução pode ser mais convincente. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

É ASSOCIADO AO PROGRAMA DE POLÍTICAS NUCLEARES DO CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE

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