Brigas, acordos e o Código Florestal
ROBERTO KLABIN
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/06/10
O relatório do deputado Aldo Rebelo beneficia apenas alguns setores da sociedade, em vez de garantir a qualidade de vida de todos
Enquanto o Brasil está de olho na Copa e nas eleições, a qualidade de vida de todos os brasileiros e nossos bens mais essenciais - a água, o ar, o controle do clima e nossa imensa biodiversidade- estão sendo silenciosamente colocados em risco pelo Congresso Nacional, graças às propostas de mudança do Código Florestal.
Pode parecer que se trata de uma briga entre ambientalistas e ruralistas ou do campo contra a cidade, mas não é isso. Todos, independente de onde moramos ou com o que trabalhamos, vamos sair perdendo se as propostas da comissão especial da Câmara dos Deputados que debate o caso forem aprovadas.
O Código Florestal Brasileiro consolidou o princípio de que as florestas são bens de interesse comum e que o direito à propriedade se submete a esse interesse.
Isso permeia toda a legislação ambiental e encontra abrigo no artigo 225 da Constituição Federal: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo".
O relatório do deputado Aldo Rebelo, no entanto, ignora esse princípio e beneficia setores específicos da sociedade, em vez de garantir a qualidade de vida de todos.
A definição das áreas de preservação por Estados e municípios, por exemplo, significa que vamos deixar que o abastecimento de água de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro seja ainda mais agravado, com o aumento de conflitos entre governos locais e proprietários de terra.
Afinal, um único hectare de mata atlântica preservado gera, em média, 1.328.600 litros de água por ano, segundo dados do Programa Mata Ciliar do governo paulista.
A região Sudeste já apresenta índices de escassez maiores que o semiárido e, sem a mata ciliar, a vida de um rio pode se esgotar em 40 anos. Além disso, desastres naturais como os de Santa Catarina, Angra dos Reis e Niterói tendem a se repetir se não garantirmos a proteção das encostas e a regulação do clima, feitas por nossas florestas.
Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), as mudanças propostas ao código aumentam ainda mais os riscos de que as áreas urbanas sofram com inundações e deslizamentos.
A comissão especial também propôs a isenção das reservas legais para propriedades de até quatro módulos -o que ,no caso da mata atlântica, reduzida a 7% de sua cobertura original, ameaça os escassos remanescentes do bioma.
Por fim, a proposta de anistia ao desmatamento já existente sinaliza que, no Brasil, quem cumpre a lei é tolo e os beneficiados são os que a descumprem.
Há quem diga que, quando se trata de Código Florestal, um mau acordo é melhor do que a briga.
Mas não aceitamos resolver essa questão de maneira a simplificar o debate e esquecer o objetivo dessa legislação: a proteção ao patrimônio natural brasileiro.
O Brasil tem mecanismos para superar esse impasse, mas parece faltar vontade. A pressa em votar o tema às vésperas das eleições, quando em geral os interesses do país ficam à mercê do que garante votos e reeleições, não contribui.
Assim como não contribui o silêncio do Poder Executivo. Que tipo de preocupações estão por trás do silêncio de Lula e dos ministérios?
O que precisamos agora é de lideranças esclarecidas, de todos os segmentos da sociedade, dispostas a resolver essa questão; não pelo caminho do mau acordo, mas, sim, pela construção de uma agenda comum que estabeleça uma transição entre as regras atuais, que sempre podem ser aprimoradas.
Tem que sobressair o interesse maior de garantir um futuro digno e de posicionar o Brasil como uma potência ambiental mundial.
ROBERTO KLABIN é empresário e presidente da Fundação SOS Mata Atlântica.
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