domingo, junho 20, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Tentar esquecer
LUIS FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 20/06/10


Ele diz que se chama Bafana mas deve ser brincadeira. É um simpático motorista de táxi que tem nos levado algumas vezes até o Mandela Square, ligado ao shopping center mais próximo do hotel. No outro dia ele nos disse que admira muito o Mandela e principalmente sua mensagem de reconciliação. O que o Mandela nos pede, disse o Bafana, é tentar esquecer. A relativa paz social que se vê por aqui (pelo menos na nossa limitada experiência, sempre levando em conta que os shopping centers de todo o mundo formam uma só cidade, com sua própria cultura e sua própria arquitetura, que pouco têm a ver com a realidade lá fora) depende da disposição dos negros de esquecer os anos de discriminação oficial e violência. Ou tentar esquecer. Não deve ser fácil. Imagino que a coincidência da injustiça cometida contra o time da África do Sul no jogo contra o Uruguai, quando o juiz deu aquele pênalti do goleiro e o expulsou (o lance começou com um uruguaio impedido e o pênalti foi discutível) justamente no dia em que se comemorava o levante e o massacre de Soweto em 1976 não passou desapercebida. Não foi o juiz Massimo Busacca, suíço e extremamente branco, que derrotou os africanos, claro, foi o Forlán. Mas a injustiça evocativa de outros tempos e a coincidência, existiram. Dizem que o conflito mais potencialmente explosivo na África do Sul hoje não é entre os brancos irreconciliáveis e os negros. É entre os negros irreconciliáveis e os negros que tentam esquecer. Por mais difícil que seja.
O pior da derrota da Nigéria para a Grécia, na quinta, é que praticamente tira da Copa uma das suas melhores figuras, o goleiro Vincent Enyeama, que já tinha brilhado contra a Argentina e na quinta brilhou de novo, e só não segurou o empate para o seu time porque entrou para a confraria dos traídos pela bola esquisita, no segundo gol dos gregos. Antes a Argentina, com seus baixinhos elétricos e seu centroavante decisivo, Gonzalo Higuain, tinham feito quatro na Coreia do Sul (três do Higuain) e a melhor apresentação de um time nesta Copa depois da estreia da Alemanha. Duro vai ser aguentar o Maradona triunfante, se continuar deste jeito.
Você deve estar notando aí, a qualidade da cobertura dos jogos da Copa pela TV daqui.
Clara, ágil e dramática, com sua ênfase em closes dos jogadores e uso cinematográfico da câmera lenta. Grande estilo.
Depois de Brasil x Coreia do Norte escrevi que os assuntos mais comentados aqui tinham sido o frio, o casacão do Dunga e os gols do Maicon e do Robinho. O segundo gol do Brasil não foi do Robinho, que deu o passe. Foi do Elano. É que eu ainda estava com o cérebro congelado. 

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