FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/09
Dependendo do humor daquele dia, esse presidente pode, justa ou injustamente, acabar com a sua vida
EU BEM QUE tentei entender o caso de Cesare Battisti, mas não consegui.
O Supremo decidiu pela extradição do terrorista? Decidiu. Então ele vai ser extraditado, é isso? É mais ou menos isso. Mas o Supremo não é o Supremo, a última das instâncias a que alguém pode recorrer? É. Então? É, mas nesse caso, quem vai decidir é Lula. E quem decidiu que quem vai decidir não é o Supremo e sim Lula? Bem, isto não está perfeitamente claro, mas é o que ficou decidido. Ah, então agora entendi que não entendi mesmo.
Existem países -os Estados Unidos, por exemplo- em que, quando um criminoso é condenado à morte, o governador do Estado tem o direito de poupá-lo da pena máxima, exercendo seu direito de clemência.
Mas não é bem isso que está acontecendo; se eu ouvi bem, o presidente declarou que vai ler os votos dos ministros, estudar (naquele juridiquês facílimo), refletir e decidir se Battisti deve ou não ser extraditado. A decisão será baseada na interpretação das leis, na certeza de que o indivíduo em questão ou é um refugiado político, ou um criminoso comum, nada a ver com um possível gesto humanitário.
Ao que me consta, é a primeira vez que isso acontece, e assim abre-se um perigoso precedente. Quando José Dirceu perdeu seu direitos políticos, se o Supremo tivesse passado a bola para Lula decidir se o seu então ministro era culpado do que o acusavam, talvez o atual candidato à Presidência pelo PT fosse outro. E no futuro? Se você, que está lendo esta coluna, for acusado de um crime e chegar a ser julgado pelo Supremo, este poderá decidir por sua condenação ou absolvição, e depois disso transferir o abacaxi para o presidente -seja ele quem for.
Dependendo das circunstâncias ou do humor daquele dia, esse presidente poderá, justa ou injustamente, acabar com sua vida ou deixar você ir para a praia tomar sol e uma água de coco, numa boa.
Nas mais sangrentas ditaduras, sempre houve um tribunal, mesmo que seus membros tivessem sido escolhidos a dedo pelo ditador, para simular a existência de uma Justiça. Mas como, segundo o ministro Tarso Genro, se Cesare Battisti for extraditado estará sujeito à tortura ou à própria morte -já que, segundo o ministro, a Itália vive uma onda fascista-, está nas mãos de Lula a vida de Battisti.
Seja qual for a decisão, vai ficar mal para todo mundo. Para o Supremo já está, por ter aceito, sem espernear, que suas decisões não sejam acatadas sem discussão. Se o presidente confirma a extradição, pode ser tachado de não ter vontade própria, que apenas baixa a cabeça e obedece. Se for contra a extradição e preferir um gesto humanitário, Battisti vai para a rua, lindo e louro, e Lula vai ter que se ver com o governo da Itália. De qualquer maneira, só um ventilador vai ser pouco para o que vai voar por aí.
E o pior: estamos chegando a um ponto extremamente perigoso, que é o julgamento de um homem, um só homem, ter mais peso do que o do Supremo Tribunal Federal.
Quem tem esse poder é quase um Deus.
O Supremo decidiu pela extradição do terrorista? Decidiu. Então ele vai ser extraditado, é isso? É mais ou menos isso. Mas o Supremo não é o Supremo, a última das instâncias a que alguém pode recorrer? É. Então? É, mas nesse caso, quem vai decidir é Lula. E quem decidiu que quem vai decidir não é o Supremo e sim Lula? Bem, isto não está perfeitamente claro, mas é o que ficou decidido. Ah, então agora entendi que não entendi mesmo.
Existem países -os Estados Unidos, por exemplo- em que, quando um criminoso é condenado à morte, o governador do Estado tem o direito de poupá-lo da pena máxima, exercendo seu direito de clemência.
Mas não é bem isso que está acontecendo; se eu ouvi bem, o presidente declarou que vai ler os votos dos ministros, estudar (naquele juridiquês facílimo), refletir e decidir se Battisti deve ou não ser extraditado. A decisão será baseada na interpretação das leis, na certeza de que o indivíduo em questão ou é um refugiado político, ou um criminoso comum, nada a ver com um possível gesto humanitário.
Ao que me consta, é a primeira vez que isso acontece, e assim abre-se um perigoso precedente. Quando José Dirceu perdeu seu direitos políticos, se o Supremo tivesse passado a bola para Lula decidir se o seu então ministro era culpado do que o acusavam, talvez o atual candidato à Presidência pelo PT fosse outro. E no futuro? Se você, que está lendo esta coluna, for acusado de um crime e chegar a ser julgado pelo Supremo, este poderá decidir por sua condenação ou absolvição, e depois disso transferir o abacaxi para o presidente -seja ele quem for.
Dependendo das circunstâncias ou do humor daquele dia, esse presidente poderá, justa ou injustamente, acabar com sua vida ou deixar você ir para a praia tomar sol e uma água de coco, numa boa.
Nas mais sangrentas ditaduras, sempre houve um tribunal, mesmo que seus membros tivessem sido escolhidos a dedo pelo ditador, para simular a existência de uma Justiça. Mas como, segundo o ministro Tarso Genro, se Cesare Battisti for extraditado estará sujeito à tortura ou à própria morte -já que, segundo o ministro, a Itália vive uma onda fascista-, está nas mãos de Lula a vida de Battisti.
Seja qual for a decisão, vai ficar mal para todo mundo. Para o Supremo já está, por ter aceito, sem espernear, que suas decisões não sejam acatadas sem discussão. Se o presidente confirma a extradição, pode ser tachado de não ter vontade própria, que apenas baixa a cabeça e obedece. Se for contra a extradição e preferir um gesto humanitário, Battisti vai para a rua, lindo e louro, e Lula vai ter que se ver com o governo da Itália. De qualquer maneira, só um ventilador vai ser pouco para o que vai voar por aí.
E o pior: estamos chegando a um ponto extremamente perigoso, que é o julgamento de um homem, um só homem, ter mais peso do que o do Supremo Tribunal Federal.
Quem tem esse poder é quase um Deus.
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