Recordar é viver: a pendura do IR
FOLHA DE SÃO PAULO - 09/10/09
GOVERNO IMPREVIDENTE FAZ GAMBIARRA FISCAL, CATA MOEDAS E ADOTA MEDIDA QUE CRITICARA QUANDO SUGERIDA POR TUCANOS
Chegamos à gambiarra de atrasar a restituição do Imposto de Renda. A mutreta foi revelada ontem por Leonardo Souza, nesta Folha. O governo federal reconheceu que tem retido a restituição, outra atitude que o PT tripudiara com gosto quando sugerida pelos tucanos, em 2001.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a restituição parada no governo é uma espécie de "poupança", pois o dinheiro é corrigido pela Selic. Pode ser, mas: 1) trata-se de poupança e empréstimo compulsórios; 2) perde dinheiro quem está pendurado em dívidas mais caras que a Selic (todas, basicamente) e pretendia ou poderia abatê-las com o dinheiro da restituição; 3) trata-se de endividamento disfarçado do governo.
Qualquer governo pode, na surdina, inventar expedientes a fim de protelar o pagamento do que deve.
No caso do IR, fazer malha fina na malha fina, a "nanomalha", digamos, é um modo de fazê-lo.
Porém, mesmo um governo muito mais alquebrado que o de Lula, em termos fiscais, o de FHC, evitou recorrer assumidamente à gambiarra do IR. No final do terrível ano de 2001 de apagão, de crise argentina, nos EUA etc., deputados tucanos sugeriam a pendura do IR como forma de compensar a queda de arrecadação, que então estava para ser agravada por mais um reajuste demagógico da tabela do IR.
Pedro Malan, então ministro da Fazenda, convenceu FHC a derrubar a ideia. "O governo estaria dizendo àqueles que têm direito a restituição de IR no ano que vem que a devolução seria postergada por um ano, o que pode ser questionado juridicamente, na medida em que pode ser interpretado como uma espécie de empréstimo compulsório", dizia Malan. Os deputados governistas queriam empurrar a devolução do IR para 2002 e 2003. Isto é, para o primeiro ano do que seria o governo Lula.
O que diziam então os petistas?
"O governo FHC está fazendo generosidade com o chapéu alheio.
Assim é muito fácil. Além de não corrigir integralmente a tabela, o governo vai deixar a dívida para o próximo", dizia Aloizio Mercadante (PT-SP). O Mercadante não vale, pois é "revogável"? Então relembre-se o então líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro (BA): "Isso é irresponsabilidade. Prometem pagar no futuro uma restituição que já é do contribuinte." O PFL, hoje DEM, defendia a pendura. "Isso não deixa de ser retenção da restituição de quem recebe mais, mas não pode ser chamado de confisco porque tem prazo de devolução e correção", dizia o então líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE). Ontem, o deputado federal Ronaldo Caiado, do DEM, chamava a pendura petista de confisco.
O governo recorre à pendura devido a descarada imprevidência. O governo sabia que a receita de impostos cairia e que teria de gastar a fim de atenuar a crise. Mas gastou por conta e risco em despesas que poderiam, ao menos, ter sido adiadas para anos melhores.
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