quinta-feira, outubro 08, 2009

JANIO DE FREITAS

Páginas e minutos


Folha de S. Paulo - 08/10/2009

Parece faltar um conselho para o acompanhamento da ética nas condutas dos meios de comunicação nas campanhas



AS MÁS RELAÇÕES entre militantes de candidaturas e, de outra parte, imprensa e TV começam mais cedo desta vez, incentivadas por uma das pequenas mexidas na Lei Eleitoral chamadas de "reforma". É a que determina, já sob crítica da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que o tratamento igualitário aos candidatos seja antecipado para aplicar-se também aos pré-candidatos.
O problema resulta de equívocos que vêm desde a primeira eleição direta pós-ditadura. No caso dos jornais, desde então o espaço físico prevaleceu para as comparações de tratamento e, daí, para a motivação de queixas, no dia a dia, e de diversas acusações fortes. A aferição física, no entanto, é enganosa e insolúvel. Não há como assegurar espaço jornalístico equitativo nem mesmo para os três ou quatro candidatos principais (ou mesmo os dois de segundos turnos), quanto mais para todos.
Mas, ainda que se pudesse manter distribuição igualitária do espaço, a dimensão física não importa em comparação com a dimensão política, subjetiva, do teor dado ao espaço. E este não precisa ser explícito, pode ficar naquele terreno em que as interpretações divergentes encontram, ambas, justificativas. E lá se foi a isonomia, mesmo que haja igualdade de espaços concedidos aos concorrentes.
A neutralidade absoluta ante o processo eleitoral, cobrada pelos queixosos e os acusadores, é possível eventualmente. À parte razões humanas, porém, mesmo no jornalismo a neutralidade eleitoral não é a conduta sempre ética. Os candidatos não são iguais. Suas histórias não são iguais. Seus grupos não são iguais. Seus propósitos pressentidos não são iguais. E se algo aí macula a ética esperável de um candidato, não será ético o silêncio sobre essa mácula para preservar a neutralidade e o tratamento isonômico com outro(s) candidato(s). Além disso, uma notícia ou um comentário negativo também pode exprimir neutralidade.
Na televisão e nas rádios, sob certo aspecto o problema é mais simples: suas notícias têm a rapidez de flashs, sem dar muita margem a interpretações; sob outro aspecto, complica-se muito, com a importância tão diferenciada entre os horários e suas audiências. Então como se mede a isonomia pretendida pela lei? Comparando os minutos dados a cada candidato ou, já que um minuto em certo horário vale mais do que uma hora em outro, comparando, e de que modo, as estimadas audiências proporcionadas a cada candidato?
Se é assim em relação aos candidatos, aos já existentes e ainda possíveis pré-candidatos a exigência da lei passa da incompetência ao ridículo. A crítica da Abert tem razão de ser.
Distorções e manipulações existem em TV, e fica na história o seu papel na disputa de 1989 entre Collor e Lula, como existem na imprensa. Com uma diferença essencial na natureza dos dois sistemas: rádio e TV são concessões de um bem público para uso e proveito de particulares. Não podem, como bens de toda a população, ser usadas em prejuízo de aspirações legítimas de uma parte da nação, por interesse material ou outro do agraciado com a concessão.
O que parece faltar é um conselho, uma comissão judicial, ou algo por aí, para o acompanhamento da ética nas condutas dos meios de comunicação em campanhas eleitorais. Não para eliminar todos os problemas, mas para ponderar a procedência de queixas contra determinadas condutas, e procurar repará-las. Com o restante, o melhor é cuidado, porque talvez interfira em direitos e liberdades.

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