sexta-feira, dezembro 06, 2013

Sacode, Darwin! - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 06/12

A ideia de doenças mentais dependerem só de interação entre predisposição genética e ambiente já era?


Coisa mais fascinante essas pes­quisas de DNA que os caras fazem hoje, e o sequencia­mento de genoma que é desvenda­do a partir de fragmentos de ossos encontrados em sítios arqueológi­cos que eu nunca entendo como são identificados ou escolhidos.

Por que ir procurar um esqueleto de dinossauro justamente naquela dobrinha de cotovelo do morrote do Piauí? Ou, como revelaram nes­ta semana, no caso do grupo do Ins­tituto Max Planck de Antropologia Evolucionista de Munique, na Ale­manha, que se mandou para um lu­garzinho ermo na Espanha, agora conhecido por Sima de Los Huesos, escavou e escavou e desenterrou um hominídeo de 400 mil anos, um tal de Homo heidelbergensis, mais velho ainda do que o Homem de Neandertal, nosso amantíssimo homo sapiens. Como sabia que o fóssil estaria ali e não soterrado sob o McDonalds da Times Square?

Por acaso, Nossa Senhora de Fáti­ma faz aparições com hora marca­da para arqueólogos e diz: "Vá até Neuquén, na Argentina, e cavoque um buraco até que encontre um Argentinosaurus huinculensis, o maior dinossauro herbívoro que já caminhou sobre a terra"? Ou "A­corde amanhã, tome um avião até a Sibéria, procure uma geleira assim e assado e mande ver com uma fu­radeira Black & Decker até topar com a tromba congelada de um ma­mute de 40 mil anos"? Imagino que o anúncio feito nesta semana, de que uma equipe de pesquisadores está destrinchando o DNA de um hominídeo com traços "pré-nean­dertais" deve causar "frisson" em muito evolucionista --sai, Mala­chias! Afinal, isso indica que esta­mos cada dia mais próximos de dar de cara com Elo Perdido em alguma planície do Kansas ou montanha da Floresta Negra ou quebrada do rio Yang-Tse, yes?

A mim, porém, impactou muito mais outra notícia vinda do Institu­to Max Planck nestes dias do que essa sobre os homnídeos de Sima de Los Huesos. A pesquisadora do instituto, Elisabeth Biunder exa­minou o DNA de dois mil afro-ame­ricanos que haviam sido repetida e severamente traumatizados na in­fância por adultos. E constatou que o gene FKBP5 de um terço deles fo­ra danificado, e que elas apresenta­vam alta probabilidade de desen­volver desordem pós-traumática. O FKBP5 vem a ser o gene que re­gula o sistema de estresse do corpo.

"O sangue que corre nas minhas veias é o mesmo que corria nas veias dos meus antepassados há 2.000 anos". Não lembro se li isso em uma folhinha de Seicho-no-iê que ganhei na feira ou se o ensina­mento me foi passado por um mes­tre do budismo. Dá na mesma.

Se aceitarmos como verdadeiras as conclusões da dra. Elisabeth, po­demos usar de criatividade para di­zer que, sim, o mal encarnado de fa­to dá as caras. Que a maldade quan­do praticada em esfera terrena e, ainda por cima, repetidas vezes em crianças, pode trazer consequên­cias mensuráveis em laboratório. E que o resultado palpável da violên­cia, da ignorância, da corrupção, do desamparo e da irresponsabilidade não só fará estragos diretos, como a extensão do dano recairá sobre fu­turas gerações.

As células nervosas de crianças atingidas por violência e traumas sofrem mutações genéticas. Ou se­ja, a idéia de que doenças mentais dependem apenas da interação en­tre predisposição genética e am­biente fica ultrapassada. Os trau­mas sofridos entram na equação.

É Darwin revirando para um lado do túmulo e minha professora de catequismo para o outro.

Em contrapartida, devemos acre­ditar que o bem praticado também deixe sequelas. Puxa, como serão afetados os filhos dos filhos de crianças tratadas a beijos, afagos, muitos mimos, passeios ao museu, à Fnac, ao zoológico, à livraria Cultura, muita risadas e o maldito desgraçado do "Fifa 14"?

Nenhum comentário: