domingo, fevereiro 09, 2014

As curtas anarquias do verão - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/02

Na cidade estressada pela infraestrutura precária, multiplicam-se episódios algo desconexos de fúria


O TUMULTO no Metrô paulistano da semana passada nada tem a ver com ônibus incendiados na periferia, um por dia neste ano. Os minguantes rolezinhos da periferia nada tiveram a ver com os modestos, mas barulhentos, protestos contra a Copa.

A ideia de que se trata de esguichos de óleo saltando da mesma frigideira não passa de metáfora preguiçosa. Ainda que não o fosse, não ajuda a pensar porque, quando e onde o óleo pula da panela, nem porque a chapa está quente.

A paciência anda de fato ainda mais escassa em São Paulo. Acontecimentos talvez menores em tempos menos intranquilos são politizados, "disputados" ideologicamente e midiatizados de modo intenso e veloz, se consumindo por vezes como fogo de palha. O efeito desses episódios, mesmo que disjuntos, aumenta a sensação térmica numa cidade onde o tempo está quente desde junho do ano passado.

Ônibus, trens e ruas congestionados e precários, a infraestrutura esgotada, podem explicar em parte a deterioração do humor; foram um detonador da explosão de 2013.

O nível crítico da demanda de tudo, de serviços públicos a bens de consumo, resultado de uma década de aumento forte da renda, parece ter influenciado também a revoada de garotos dos entornos da cidade, os rolezinhos.

O incêndio dos ônibus é um mistério. Uns parecem protestos contra a repressão dos bailes funks. Outros, contra a violência, contra a falta d'água, contra atropelamentos e outros fatos da vida precária. Pode haver aí a mão de organizações criminosas. Nada se sabe ainda.

O "Não Vai Ter Copa", enfim, é um rebento extremado e derivado dos protestos de 2013.

Mas por que há rebentos, black blocs e assemelhados?

A midiatização politizada amplifica o ruído desses "movimentos". Midiatização agora significa mais que exposição, espetacular ou não, nos meios comerciais. As redes sociais internéticas baixaram o custo econômico, social e político de "encontrar sua turma", agregar interesses e botar a boca no trombone.

Mas esse associativismo é precário e muita vez apenas virtual; a existência de meios, mídia, não explica a tensão, embora a amplifique e modifique seu significado.

Sabemos pouco desse ruído de fundo que zune desde 2013, desse baixo contínuo de insatisfação sobre o qual aparecem acordes dissonantes, anarquias, explosões de ira, como vemos neste verão. E quanto a efeitos político-politiqueiros?

Quantas pessoas estarão interessadas no sentido mais político de todos esses "movimentos? Em particular, nos interiores do país, quantas seriam afetadas pela amplificação politizada desses "movimentos" de metrópoles estressadas?

Afinal, ainda estamos no país de uma década quase contínua de alta do consumo, de melhorias sociais várias, do acesso à casa própria à universidade ou escola técnica, da luz para todos ao microcrédito etc.

A maioria dos beneficiados por esses progressos não se comoveu muito com Junho de 2013, embora no pico do tumulto muita gente de qualquer classe ou preferência política tenha passado a "votar" contra o governo. De menos incerto, temos uma crise flutuante de humor, de pequena relação com a mediocridade econômica.

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