quarta-feira, dezembro 04, 2013

Brigando com os fatos - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 04/12

Em meio a tanto destempero, felizmente destacou-se a coragem de uma voz dissonante, a de Olívio Dutra, um dos fundadores do PT, ex-ministro das Cidades


Em política, à esquerda ou à direita, é difícil um sincero mea culpa, isto é, admitir que a razão está do outro lado, principalmente quando se aproximam as eleições. Nestes últimos dias, tivemos dois exemplos em campos opostos. Pesquisa do Datafolha revelou que a aprovação de Dilma cresceu para 41% em todos os cenários. O mesmo instituto, em outro levantamento, descobriu que para 86% dos brasileiros o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, agiu bem ao mandar prender os mensaleiros. E mais: entre os entrevistados que se declararam simpatizantes do PT, 87% expressaram a mesma opinião.

O que há em comum é que as duas partes gostam de brigar com os fatos. Os tucanos resistem a aceitar a popularidade da presidente, preferindo desqualificá-la, em vez de tentar descobrir as causas, que talvez estejam mais nos seus próprios erros do que nos acertos da adversária. Por sua vez, a cúpula petista, ao contrário da base, procura desmoralizar o julgamento do STF, acusando-o de facciosismo, como se os membros daquela corte tivessem algum interesse em contrariar aqueles a quem devem o cargo, já que oito foram nomeados por Lula ou Dilma. A reação contra o Supremo teve várias frentes, que se manifestaram por meio de discursos no Congresso, declarações inconformadas, abaixo-assinados e notas de repúdio. O líder do PT na Câmara, José Guimarães, irmão de José Genoino, chegou a comparar a ação do judiciário de agora com as da época da ditadura. Imagina.

Em meio a tanto destempero, felizmente destacou-se a coragem de uma voz dissonante, a de Olívio Dutra, um dos fundadores do PT, ministro das Cidades no primeiro governo Lula e ex-governador do Rio Grande do Sul. Contrariando a opinião majoritária da direção do partido, ele defendeu a prisão dos companheiros condenados e afirmou em entrevista que não crê que o julgamento do mensalão tenha sido político. “Funcionou o que deveria funcionar. O STF julgou e a Justiça determinou a prisão; então, cumpra-se a lei.” Ressaltando o seu respeito à trajetória política de José Dirceu e José Genoino, ele advertiu que, no entanto, a bela história de “combate à ditadura militar não abona condutas ilícitas”. Ele quis chamar a atenção de seus correligionários para o fato — e com este não adianta brigar — de que o que estava sendo julgado era o presente. E o passado, como se sabe, pode condenar, mas não absolver.

No verão, sempre passávamos alguns dias na casa de Lucinha e João Araújo em Angra dos Reis. Como ele e eu éramos os únicos a acordar muito cedo, o papo diário era demorado e divertido. Leitor crítico e inveterado de jornais, grande amigo de Miro Teixeira e Nelson Jobim, ele acompanhava não só o movimento musical, que tanto lhe ficou devendo, mas também o que se passava na política e muito o irritava. Saudades, João, daquelas manhãs.

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