O Estado de S.Paulo - 04/10
A pequena ilha italiana de Lampedusa fica a meio caminho entre a Europa e a África. Não é uma posição invejável. Num momento em que a miséria, tormentas políticas e religiosas e lutas tribais sacodem o Oriente Médio, Lampedusa transformou-se na porta de entrada da Europa para os desesperados. Mas essa porta do paraíso europeu por vezes ganha aspecto de cemitério.
Na quinta-feira, chegou a 600 metros de Lampedusa um barco de pesca transportando insanamente 500 africanos da Eritreia, da Etiópia, da Somália. Incêndio a bordo. Naufrágio. Pânico. Estima-se que o número de mortos chegue 300 e há 111 identificados.
"É uma vergonha" declarou o papa Francisco, que já havia escolhido Lampedusa em julho para sua primeira saída de Roma. Ali, ele denunciara "a globalização da indiferença". A pequena ilha cujas praias recebem a cada dia 300 imigrantes semimortos, faz seu dever. Ela mereceria um Nobel da Paz. O primeiro culpado é a Europa. Essa União Europeia que enche a boca com as palavras "solidariedade", "comunidade" e "fraternidade", deixa um de seus membros tragicamente só.
A Europa olha para outro lado, assim como não olhava para a Espanha, alguns anos atrás, quando os africanos a procuravam como porta de entrada da Europa via Ilhas Canárias ou Gibraltar. Ademais, a União Europeia não traz grande ajuda à Ilha de Malta (desde 2004, parte da UE) que, com seus 400 mil habitantes, viu desembarcarem em suas costas, depois do drama da Síria, 12 mil solicitantes de asilo.
O que poderia fazer a Europa para ficar à altura de sua história, de seus messianismos, de sua moral? Ela deveria primeiramente ajudar a Itália a evitar tragédias como a de quinta-feira, caçando os "infames passadores" que cobram fortunas dos candidatos a imigrantes e os espremem em "banheiras" podres e fadadas ao naufrágio. Em segundo lugar, ajudar a pequena cidade de Lampedusa a acolher e curar esses carregamentos de mortos-vivos. A Europa deveria também, como fez brilhantemente a Espanha outrora, criar programas de cooperação com alguns países da África (no caso da Espanha, tratava-se de Mauritânia, Mali e Senegal) para fixar no lugar as populações em perigo, e dissuadi-las de partir.
Ações como essas são pesadas, dispendiosas, complexas e inextricáveis, e muitas vezes fadadas ao fracasso. Bruxelas deveria, ao menos, esboçar soluções, distribuir ajudas e conselhos, mostrar um pouco de calor humano, o que ela só fez até aqui da boca para fora./ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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