sábado, outubro 05, 2013

Marina e os partidos - EDITORIAL GAZETA DO POVO- PR

GAZETA DO POVO- PR - 05/10

As dificuldades da Rede Sustentabilidade provocam uma reflexão sobre as distorções do atual sistema partidário brasileiro


Ficou para hoje a definição sobre o futuro político de Marina Silva, após seu partido, a Rede Sustentabilidade, ter o registro negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por não cumprir o número necessário de assinaturas requeridas pela legislação. Marina pretendia ser candidata à Presidência da República pela Rede. Sem essa opção, ela pode se filiar a outro partido – convites não faltam – ou abrir mão de concorrer e trabalhar na consolidação da nova legenda. Os quase 20 milhões de votos que Marina teve no primeiro turno da eleição presidencial de 2010 são um capital político impressionante, e que pode ser novamente decisivo em 2014 – as pesquisas de opinião a colocam em segundo lugar, atrás da presidente Dilma Rousseff.

Independentemente da opinião que cada um tenha sobre Marina Silva e suas ideias, é indiscutível que a Rede tem mais cara de partido, cheiro de partido e gosto de partido que o Solidariedade e o Partido Republicano da Ordem Social (Pros), as duas mais novas legendas clientelistas cuja criação foi aprovada pelo TSE. É uma situação que exige reflexão sobre a política partidária brasileira, um jogo em que só há dificuldades para quem quer entrar nele, mas, uma vez dentro de campo, só existem as facilidades e, sobretudo, as verbas. O mais lógico, no entanto, seria o inverso: respeitar a liberdade de associação e relaxar as restrições para a fundação de partidos, mas criar mecanismos que fortalecessem as legendas consagradas com o voto popular.

Uma dessas alternativas seria a cláusula de barreira, que existe em várias democracias. Um exemplo recente de seu funcionamento foi a eleição parlamentar alemã de setembro. Um dos partidos mais tradicionais do país, o Democrático Liberal (FDP), não conseguiu 5% do total de votos, e por isso ficou fora do Bundestag, a câmara baixa do Parlamento, situação que também afetou outros partidos. No Brasil, a Lei dos Partidos Políticos, de 1995, chegou a prever a cláusula de barreira em uma versão mitigada – as legendas que não atingissem 5% dos votos para deputado federal não ficariam excluídas do Congresso: elas poderiam manter seus parlamentares, mas teriam menos tempo de televisão, menos recursos do Fundo Partidário e funcionariam sem estrutura de liderança no Congresso. Em 2006, quando a regra entraria em vigor, apenas sete dos então 29 partidos existentes no Brasil tiveram mais de 5% dos votos; algumas legendas prejudicadas pela lei foram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou a cláusula de barreira inconstitucional por limitar a representação política das minorias. Dias atrás, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, e os pré-candidatos à Presidência Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) defenderam a volta da cláusula de barreira.

Outra possibilidade vem sendo estudada no Congresso: um projeto que proibiria o parlamentar que migra para uma nova legenda no meio da legislatura de “carregar” consigo tempo de televisão e verba do Fundo Partidário. A distribuição desses “bens” seguiria obedecendo à proporção estabelecida pelo resultado da eleição anterior – se um novo partido quiser ampliar sua fatia do bolo, que consiga bom desempenho no pleito seguinte. A tramitação desse projeto foi paralisada pelo Supremo. Esta é uma ótima proposta, que inibe as migrações partidárias clientelistas. O problema na maneira como nasceu era seu timing: seus defensores queriam que ela valesse já para 2014, em uma clara tentativa de prejudicar Marina Silva, quando a criação da Rede era tida como inevitável. Esse casuísmo que muda no meio as regras do jogo era inaceitável; por isso, foi bem vinda a suspensão da tramitação. Agora, que o cenário partidário de 2014 se resolveu, esse projeto pode voltar a ser analisado pensando em 2018.

Um fortalecimento da democracia passa pelo fortalecimento dos partidos. Mas também é necessário que os partidos sejam vistos como representantes efetivos da população, e não como instrumentos de clientelismo e barganha política, ou como feudos pessoais de aspirantes a caciques que, por um ou outro motivo, não encontram espaço suficiente nas legendas atuais – mas são justamente esses os partidos que mais proliferam no cenário político brasileiro atual, enquanto legendas com plataformas ideológicas mais definidas encontram dificuldades para entrar no jogo. São distorções que precisam de correções urgentes.

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