GAZETA DO POVO - PR - 05/10
Há 18 anos, quando comecei a lecionar Direito Constitucional, observava que uma das rainhas entre as disciplinas jurídicas ainda era Introdução ao Estudo do Direito. Via também que todos os professores, por óbvio, queriam lecioná-la, inclusive os iniciantes. E ouvia críticas de que IED não era para docentes recém-graduados, pois era matéria para professores experimentados, que tivessem maior vivência e olhar mais sistemático sobre o vasto orbe da ciência jurídica. Mais ou menos na linha waratiana de que só quem domina o todo, na sua completude e na sua mais alta sofisticação, pode explicar o início desse todo de forma adequada e simples.
Alguns poucos anos depois, comecei a ver que a disciplina visada na docência jurídica passou a ser o Direito Constitucional, e muitos docentes, incluindo os recém-formados, cobiçavam-na. As próprias direções das faculdades diziam que “Constitucional qualquer um dava”, e isso presenciei não só na vida institucional diária, como também nos anos em que avaliei projetos de novos cursos jurídicos de graduação no país, pelo Ministério da Educação, quando essa realidade era espelhada nas listas de docentes apresentadas pelas faculdades aos avaliadores.
Apesar disso, em paralelo foi-se assistindo a uma extraordinária qualificação e sofisticação do conhecimento produzido por uma leva de autores brasileiros, constitucionalistas até hoje muito respeitados, professores altamente dignos de tal disciplina jurídica. Nisso, o Brasil, apesar de ter copiado muita coisa, deu lição ao mundo jurídico ocidental de matriz civil law em muitos temas. O desenvolvimento de uma teoria/doutrina constitucional própria em muitos aspectos segue admirado por muitos autores portugueses, cujo nível é reconhecidamente elevadíssimo.
No entanto, quanto mais se sofisticou um discurso e mais se requintou uma doutrina, ao mesmo tempo delicada e poderosa em seu grau de irradiação hermenêutica, um mundo rasteiro de interpretações realmente rasas popularizou-se na seara do Direito Constitucional brasileiro, de modo a fazer perder a força de importantes institutos, conceitos, bens e valores, direitos e princípios. Já se fez isso com os danos morais, com a própria dignidade humana, e agora parece que a categoria da vez é a sustentabilidade, obedecendo a ondas de modismos que, de tanto querer fortalecer – ou dele tudo tirar, à exaustão – um conceito, um direito, um princípio, acabam por enfraquecê-lo, pela via da banalização leviana e irresponsável desacreditando o potencial de concretização intrínseco que possui.
É difícil dizer se isso é um paradoxo, ou se é precisamente o resultado avesso e perverso da mais alta sofisticação, muitas vezes lida, mas não “compreendida” e “apreendida” por uma leva imensa de “constitucionalistas” – entre aspas, mesmo. É que todo pretenso jurista passou a achar-se, também, pretenso constitucionalista. E é justamente desses constitucionalistas aspeados que a Constituição precisa ser salva!
Há muito tempo que se pede, não só agora que ela completa 25 anos: tomemos nossa Constituição a sério, para que tenha vida longa, admirada que é, apesar dos seus defeitos, não só por juristas, mas também por sociólogos e outros cientistas de vários países, e por muitos constitucionalistas locais dignos do nome. Levemos a Constituição a sério, para que siga ela mesma nos levando longe, já que estão longe de se ver esgotadas suas potencialidades de nos emancipar, nos igualizar, nos promover na vida plena, nos dignificar.
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