sexta-feira, agosto 16, 2013

Bravatas e o comércio com os EUA - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/08

À margem da irritação com a espionagem, há uma agenda objetiva em torno das trocas comerciais que deveria levar a uma reaproximação dos americanos



Primeira autoridade de alto escalão do governo a visitar o Brasil depois da revelação da existência do supergrampo intercontinental operado pela National Security Agency (NSA), o secretário de Estado John Kerry não poderia esperar uma recepção com fanfarras em Brasília. O fato de o Brasil ter sido — ou ser — um dos alvos da malha de vigilância eletrônica americana, conforme noticiado pelo GLOBO, injetou num governo em que há conhecidos bolsões antiamericanistas uma dose extra de irritabilidade.

Recebido terça-feira em Brasília, Kerry ouviu as esperadas reclamações do chanceler Antonio Patriota, e, numa audiência em que deve ter sido tratada a viagem da presidente a Washington, em outubro, travou conversa dura com Dilma Rousseff, dizem os relatos oficiais. Mesmo que nada pudesse ter sido muito diferente, não deixou, porém, de transparecer, na coreografia executada em Brasília em torno do secretário americano, algo meio marqueteiro, na linha da “defesa da autonomia nacional diante do Império”.

O escândalo da espionagem foi um prato cheio para boliviariano-chavistas e aparentados. A revelação ocorreu pouco antes de uma reunião de cúpula da Unasul, usada de palco para o devido repúdio à bisbilhotagem ianque.

Calendários eleitorais incentivam a que se engrosse a voz. A presidente Cristina Kirchner tem uma eleição parlamentar complicada em outubro, e, no ano que vem, Dilma irá para seu teste nas urnas. Criticar americanos, e quando eles merecem, sempre cai bem abaixo do Rio Grande. Só que o Brasil precisa saber até onde pode ir com bravatas. Pois reaproximar-se dos americanos deve ser objetivo a ser perseguido, quanto mais não seja devido às dificuldades econômicas que o país enfrenta e continuará a enfrentar.

A economia americana está em fase de reativação e pode ajudar as exportações brasileiras, principalmente de manufaturados, travadas por problemas internos de infraestrutura, impostos — e câmbio, até há pouco tempo —, bem como devido ao protecionismo argentino. O Brasil substituiu parte do comércio com os Estados Unidos pelas trocas com a China e o intercâmbio dentro do Mercosul. Os chineses se interessam quase exclusivamente por commodities, e os argentinos, atolados em crises (econômica, institucional), cercam o país de muralhas protecionistas, uma negação do próprio Mercosul.

Hoje, o comércio bilateral tem sido favorável aos EUA (no primeiro semestre, o superávit americano foi de US$ 6 bilhões). Uma das principais explicações é que, com o crescimento enorme da produção de gás de xisto, fonte de energia de importância crescente, os americanos importam menos combustíveis do Brasil. Mas houve também desinteresse estratégico com o maior mercado consumidor do mundo. O déficit deveria levar Brasília a se reaproximar de Washington pelo lado dos interesses concretos no comércio. Bravatas precisam ter prazo curto de validade.

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