GAZETA DO POVO - PR - 06/06
A campanha de apologia à prostituição que o Ministério da Saúde colocou e retirou do ar ignora que o comércio do próprio corpo degrada a mulher e não pode ser comparado a outras atividades profissionais
O Ministério da Saúde recuou e tirou do ar, na terça-feira, uma peça da campanha publicitária voltada a prostitutas e lançada no fim de semana passado. O cartaz que dizia “Eu sou feliz sendo prostituta” era parte de uma ação com o objetivo de conscientizar as profissionais do sexo em relação à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). “Enquanto eu for ministro, não acho que seja uma mensagem a ser passada pelo Ministério da Saúde”, afirmou o titular da pasta, Alexandre Padilha, antes de demitir o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Dirceu Greco, que seria o responsável pela campanha. Na noite de terça, o ministro ainda ordenou a retirada do ar de toda a campanha, e não apenas da peça polêmica. A simples menção a uma suposta “realização profissional” das prostitutas em uma ação sobre DSTs já soa estranha; mais preocupante, no entanto, é a glamourização de uma atividade que envolve a degradação da dignidade da mulher.
Mas como chegamos ao ponto em que, em vez de tolerar, se passa a promover um claro atentado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, tratando a comercialização do corpo como se fosse uma coisa qualquer? A consciência de que todo ser humano é portador de uma incomensurável dignidade é uma conquista histórica da civilização ocidental, erguida sobre os escombros de impérios antigos que (a despeito das contribuições que tenham dado à humanidade) viam a mulher praticamente como propriedade do homem, reduzida a um misto de objeto de prazer sexual, empregada doméstica e incubadora, como atestava o orador ateniense Apolodoro, ao dizer “temos moças para o prazer, amantes para o refrigério diário dos nossos corpos, mas esposas para nos darem filhos legítimos e olharem pela casa”.
Apesar de avanços na questão dos direitos civis, as últimas décadas têm sido marcadas por uma movimentação sutil de grupos minoritários que passaram a promover causas que revelam uma compreensão totalmente distorcida da dignidade humana, mesmo contra o consenso da maioria da população. É assim, por exemplo, que, em nome de uma pretensa “defesa dos direitos da mulher”, nega-se ao nascituro o status de ser humano, desafiando até conceitos biológicos, para defender o aborto. O mesmo ocorre com a promoção da eutanásia, disfarçando sob o discurso da “morte digna” o desejo de descartar idosos considerados um peso para a sociedade. Nessa reengenharia social, atividades que degradam a mulher, como a pornografia e a prostituição, também são alçadas a merecedoras da aceitação coletiva – e, quem sabe, do elogio geral. Tendo amealhado prestígio entre os meios formadores de opinião, seja na universidade, seja na imprensa, não surpreende que o passo seguinte para tais causas tenha sido sua transformação em política de Estado. Em questões que envolvem a dignidade humana, a mera neutralidade do Estado já seria preocupante, por ser, no fundo, uma omissão. Mas pior ainda é ver o poder público abraçar essas plataformas, chegando-se a extremos como o “Eu sou feliz sendo prostituta”.
A dignidade humana não se comercializa. É triste que algo tão elementar tenha se obscurecido para tantos e precise ser reafirmado, havendo hoje tão poucas vozes dispostas a fazê-lo. Mas defender esse princípio também passa pela compreensão para com o drama socioeconômico e ético-cultural que leva à prostituição. A lamentável escolha por esse caminho – isso quando houve uma verdadeira escolha, o que muitas vezes não é o caso – nunca deve justificar que essa pessoa seja vítima de discriminação ou agressão. No entanto, uma coisa é combater essa injusta discriminação; outra, muito diferente e danosa, é a apologia de um comportamento baseado no comércio da dignidade humana, igualando-o a outras atividades profissionais como caminho para a felicidade e meio de realização pessoal. O respeito à mulher que se prostitui passa pela criação de condições para que ela se dê conta da gravidade da situação que vive, e não pela promoção da prostituição, que a historiadora feminista Tânia Navarro Swain define como “a banalização do estupro”.
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