Talleyrand (1754-1838), notável político e diplomata francês, reservava um juízo pouco lisonjeiro sobre os Bourbons, ao sentenciar que eles nada esqueciam e nada aprendiam.
Esse sarcástico juízo é bem apropriado para qualificar alguns episódios recentes da política fiscal brasileira, especialmente quando se considera o preocupante contexto que inclui o recrudescimento da inflação, o modesto desempenho do PIB, a instabilidade dos juros e do câmbio, a abandonada política de austeridade fiscal, a desconfiança recorrente dos investidores e a imprevisibilidade do cenário externo.
Impressiona muito a abundância de soluções esdrúxulas para velhos problemas – algumas já testadas e reconhecidamente ineficazes. Prevalece nosso histórico pendor por pajelanças e meizinhas.
O desequilíbrio fiscal é enfrentado por patéticas invencionices contábeis, consistindo em aditar receitas fictícias e subtrair despesas reais, na presunção de que todos são ignorantes.
As tentativas de controlar o surto inflacionário reproduzem conhecidas e malsucedidas práticas, desde o intervencionismo voluntarista nos preços administrados e monitorados (energia elétrica, combustíveis, transportes públicos, etc.) até a desoneração tributária pontual, que só torna mais complexo o sistema tributário. Algumas iniciativas, na área fiscal, concorrem para agravar ainda mais esse lamentável quadro.
Ao que parece, continuamos sem entender a natureza da guerra fiscal. Após a estapafúrdia Resolução nº 13 do Senado, concebida para combater especificamente a denominada "guerra dos portos", foi proposto um pacote de medidas, abrangendo uma pífia e temporária alteração na Lei Complementar nº 24, que dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais no âmbito do ICMS, uma complexa e insubsistente alteração nas alíquotas interestaduais daquele imposto e a criação de fundos para compensar as perdas dos entes federativos. Esses fundos demandariam, no curso de sua existência, recursos acima de R$ 400 bilhões, com óbvia repercussão sobre a carga tributária. Felizmente, ao menos por ora, interrompeu-se a tramitação do malsinado pacote.
O controle da guerra fiscal deveria pautar-se nos seguintes pressupostos: não se pode retirar dos Estados competência para conceder benefícios fiscais do ICMS com o objetivo
de reduzir disparidades inter-regionais de renda, desde que observados determinados requisitos; o veículo normativo deveria ser a lei complementar, como prevê a Constituição, e não Resolução do Senado, destinada a estabelecer a partilha horizontal de rendas; deveriam ser fixadas sanções pelo descumprimento das normas, caso contrário serão apenas regras de boas maneiras; a questão deveria ser tratada conjuntamente com outras questões federativas, como dívidas dos estados e municípios perante a União e critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos royalties do petróleo.
Passados mais de três anos após a decisão do STF que considerou inconstitucionais os vigentes critérios de rateio do FPE, o Congresso está prestes a aprovar nova lei complementar dispondo sobre a matéria. A nova lei surpreende ao, de forma oblíqua, prorrogar por dois anos os critérios vigentes. Se se trata de prorrogação, por que a nova lei? Além disso, mantém o que foi tido como inconstitucional pelo STF, em afronta direta
à decisão daquela Corte.
O fundamento utilizado para dar sustentação ao projeto de lei complementar é estarrecedor. Argumenta-se que a "prorrogação" dos critérios inconstitucionais dar-se-ia em respeito aos contratos celebrados pelos governos estaduais no âmbito dos planos plurianuais!
Afora isso, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto de lei complementar que permitirá a criação de mais de 400 novos municípios e os correspondentes "empregos" de prefeitos, vereadores e assessores.
É assim que cresce a carga tributária. Continua atual a máxima de Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos".
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