O Estado de S.Paulo - 25/06
Complicou de vez o ambiente da economia brasileira, com as turbulências esperadas no mercado de câmbio e inesperadas dos protestos que ganharam as ruas do País. As margens de manobra da política econômica ficaram agora, com o desenrolar dos novos acontecimentos internos e externos, ainda mais apertadas.
A chamada "nova matriz" de política econômica já vinha fazendo água antes mesmo do advento dessas forças com potencial desestabilizador. A crença de que juros básicos mais baixos teriam o condão de destravar o investimento e, com isso, suportar expansão do consumo, sem pressões inflacionárias incontornáveis, não foi confirmada pela realidade.
Mesmo numa trajetória de baixo crescimento e de deterioração das contas externas, os juros voltaram a subir. Agora, com a reversão abrupta da tendência de valorização do real, terão de subir mais, para evitar estragos inflacionários ainda maiores. A forte volatilidade externa, decorrente da decisão americana de refrear a injeção de liquidez praticada nos últimos anos, foi a pá de cal da "nova matriz".
O diagnóstico crítico desse desenlace aponta para um excesso de medidas de fôlego curto e amplitude limitada que, em combinação com hesitações na abertura de concessões na área de infraestrutura, inibiu os investimentos e tirou potência da política econômica. Para completar o cenário negativo, isenções, desonerações e trucagens contábeis, em ambiente de encolhimento das receitas públicas, produziram uma expansão fiscal disfuncional que, aos poucos, com a persistência da inflação, foi perdendo a capacidade de manter o consumo aceso.
Natural que quadro tão adverso alimente nostalgias do tripé meta de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante - inaugurado com Fernando Henrique em 1999, mantido por Lula e pouco a pouco abandonado por Dilma. Pode ser que, na ausência de políticas alternativas, mais adequadas à nova realidade introduzida pela crise global, a restauração do tripé ainda seja uma saída possível do momento.
É preciso lembrar, contudo, que o modelo de ortodoxia cambial, fiscal e de contenção de preços não é uma panaceia. Na verdade, as evidências mostram que, salvo em condições especiais, o tripé é incapaz de evitar baixo crescimento, inflação alta e riscos de crises cambiais.
Sob a vigência do tripé em estado puro, no segundo mandato de FHC, por exemplo, a média anual de inflação ficou 8,8% e o crescimento médio anual não passou de 2,1%. Em 2001, com tripé e tudo, a economia só cresceu 1,3% e a inflação chegou a 7,67% (centro da meta de 4%, com banda de 2 pontos). Foi pior ainda no ano seguinte, na passagem para Lula, quando a inflação bateu em 12,53% (meta de 3,5% e banda de 2 pontos) e o crescimento resumiu-se a 2,6%, num período de disparada da cotação do dólar e de crise cambial - esta só acalmada com a negociação em bases extraordinárias de um acordo com o FMI.
Em sua relativamente curta história, o tripé só produziu resultados sem ressalvas em alguns anos dos governos de Lula. Mas, então, o tripé precisou de uma quarta perna para mostrar o seu valor - a do setor externo. O fato é que sem saldos comerciais positivos, que limitem os déficits em contas correntes, e sem ingressos de recursos externos, o tripé não faz milagres.
Lula contou com a boa sorte da alta na cotação das commodities básicas e um período de abundante liquidez global. Assim foi possível manter o câmbio valorizado sem risco de crise cambial. E assim o País cresceu, mesmo com juros altos, incorporou novos consumidores, sem pressionar a inflação, e ainda fez a festa dos rentistas. Lula, porém, não soube aproveitar a chance que se apresentou para livrar a economia da sina do baixo crescimento e da valorização da moeda, que ajuda a segurar a inflação, mas potencializa o risco de crises cambiais. Essa triste sina volta a nos assombrar.
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