O GLOBO - 25/06
Há quinze dias, um dos principais estudiosos dos movimentos sociais na era da internet, o sociólogo espanhol Manuel Castells, realizou palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e afirmou que o atual modelo democrático está esgotado. Em sua opinião, as manifestações por meio das redes sociais surgem de reações indignadas a fatos considerados injustos. Articulam-se de forma virtual, mas em seguida ocupam as ruas.
A tese explica como no Brasil transbordou a insatisfação popular que acuou políticos, partidos e governos. Embora alguns digam que aos participantes falta uma “causa”, sobram razões para o descontentamento.
Na web as manifestações já eram abundantes, embora desprezadas por aqueles que deveriam respeitá-las. A petição virtual para impedir a posse de Renan Calheiros como presidente do Senado obteve 1,6 milhão de assinaturas, mas foi ignorada pela enorme maioria dos senadores. As escolhas do deputado Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e de dois mensaleiros condenados para integrarem a Comissão de Constituição e Justiça beiraram o acinte, tal a quantidade de e-mails contrários. No Facebook, ao qual 74 milhões de brasileiros estão conectados, circulam milhares de mensagens diárias pelo arquivamento da PEC 37 — que proíbe as investigações do Ministério Público — e das propostas que reduzem os efeitos da Lei da Ficha Limpa. Somam-se ao desagrado virtual a inflação em alta, os 39 ministros, os gastos públicos exorbitantes para o Mundial e a corrupção nossa de cada dia. A previsão do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, de que o julgamento do mensalão ainda poderá demorar dois anos, colocou mais gasolina na fogueira. Nesse cenário de crise entre representantes surdos e representados revoltados, vaiar Dilma foi a catarse.
Assim, prefeitos e governadores, de diferentes legendas, apressaram-se em baixar as calças e as tarifas para frear o levante. O presidente da Câmara adiou a votação da PEC 37. A presidente da República, desta vez vestida de amarelo, fez pronunciamento repleto de obviedades e meias verdades.
Em relação à construção dos estádios da Copa, por exemplo, Dilma afirmou que “jamais permitiria que esses recursos saíssem do orçamento público federal, prejudicando setores prioritários como a saúde e a educação”. De fato, nos R$ 7,1 bilhões previstos não há recursos do “orçamento federal”. Mas, além dos R$ 3,8 bilhões financiados pelo BNDES (em condições especiais de prazos e juros), existem recursos próprios de governos estaduais (R$ 1,5 bilhão), municipais (R$ 14 milhões) e do Distrito Federal (R$ 1 bilhão). De outras fontes provêm R$ 820 milhões. Como as unidades da Federação não fabricam dinheiro, verbas públicas estão custeando arenas em detrimento de áreas prioritárias, o que justifica a indignação da sociedade. Afinal, com esses recursos seria possível construir oito mil escolas, adquirir 39 mil ônibus escolares, construir 2.842 km de rodovias ou erguer 128 mil casas populares.
Em relação ao “pacto nacional pela mobilidade urbana”, é mais do mesmo. Em janeiro de 2010, o ex-presidente Lula, tendo a ex-ministra da Casa Civil ao lado, lançou o “PAC da Mobilidade Urbana da Copa”, com 47 projetos que iriam melhorar o trânsito nas 12 cidades-sede. Paralelamente, desde 2002 existe no Orçamento Geral da União o programa “Mobilidade Urbana”. Em onze anos foram autorizados R$ 8,4 bilhões e aplicados somente R$ 1,6 bilhão (19%). Será que agora vai?
A presidente também cobrou dos outros Poderes, estados e municípios a efetiva implantação da Lei de Acesso à Informação. Paradoxalmente, passaram a ser classificados como sigilosos os gastos de suas viagens ao exterior. Além disso, o orçamento da União está a cada dia mais opaco.
Assim, urge ouvir atentamente o que reclamam mais de 1 milhão de pessoas, além do Movimento Passe Livre. O discurso conservador e o diálogo habitual com as entidades chapas-brancas — há muito cooptadas pelo Poder com cargos e verbas — já não surtem o efeito de outrora. A democracia hipócrita faliu.
No mundo, tal como diz Castells, os partidos políticos tradicionais, tanto à direita quanto à esquerda, estão perdendo a legitimidade. Na Itália, o Movimento 5 Estrelas, partido organizado pelas redes e com discurso contrário à política convencional, é hoje uma das principais forças eleitorais no país. Os novos tempos demandam novas formas de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado. No Brasil não será diferente.
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