VALOR ECONÔMICO - 07/06
O aumento da taxa de juros e a depreciação do câmbio agregam importantes fatores de risco à continuidade da recuperação da atividade econômica e levantam dúvidas sobre 2014. A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) este ano deve ficar na casa dos 2%. Para o próximo ano (de campanha eleitoral), conforme a intensidade e duração da depreciação da moeda e do ciclo de aperto monetário, esse desempenho pode se repetir ou ser pior. Não se deve descartar, portanto, a possibilidade de as novas condições externas e internas eventualmente retardarem a retomada do crescimento.
O que há de novo na cena externa é a economia americana. Os indícios de que a recuperação dos Estados Unidos, finalmente, estaria se materializando depois de várias frustrações, e o anúncio do presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke - de que se aproxima o momento de começar a retirada dos estímulos monetários que irrigaram a economia mundial de 2008/09 para cá, mudam as perspectivas com que contava o Comitê de Política Monetária (Copom) para o setor externo.
Da moderação nos preços dos ativos, que constava da ata de abril, o comitê fala agora em volatilidade e tendência de apreciação do dólar; e o que dois diretores sinalizaram na ata de abril - uma reavaliação para baixo crescimento mundial - saiu das previsões. Sumiram do horizonte, portanto, dois elementos que poderiam ser desinflacionários para o país.
Governo conta com saída organizada dos EUA e não prevê crise
O manejo dos instrumentos da política macroeconômica brasileira, este ano, também mudou em relação a 2012. O câmbio, depois de passar por fortes intervenções, volta a flutuar, segundo avisou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao Valor. Os juros básicos sobem. Já os compromissos fiscais são mais flexíveis, obedecendo a uma banda de superávit primário de 1,8% do PIB a 3,1% do PIB.
O governo se prepara para enfrentar os efeitos de uma possível reação da atividade nos EUA. Autoridades da área econômica esperam que este seja um processo organizado, previamente comunicado e bem conduzido, pelo Fed, de início da normalização das condições monetárias na maior economia do mundo. Mesmo assim, após tantos anos de frouxidão monetária, esse movimento poderá produzir grandes "trepidações" no mundo e no Brasil.
"Poderá haver "overshooting" e "overreaction", mas eles [o governo americano] têm instrumentos para fazer isso de forma organizada", observou uma fonte oficial. Caso contrário, há o risco de se ter uma parada abrupta do crédito externo, como ocorreu no início da crise financeira de 2008/09. Isso não significa, porém, que o governo esteja antevendo uma dinâmica de crise, com descontrole da taxa de câmbio e grave deterioração das expectativas inflacionária. No momento, não está.
Na visão do governo brasileiro, o Fed adiantou que pretende começar - não disse como nem quando - a parar de adicionar os estímulos, com a compra de US$ 85 bilhões por mês em ativos, mas não vai retirar os cerca de US$ 3,4 trilhões que jorraram com os três "quantitative easing" na economia mundial. Essa é uma massa de recursos que deverá ser reduzida "organicamente". Na medida em que a economia americana crescer, o balanço do Fed ficará proporcionalmente menor do que é hoje em relação ao produto daquele país. Não haveria, portanto, um forte e abrupto enxugamento da liquidez internacional.
Mas não se pode desconsiderar, porém, que já está ocorrendo um deslocamento de capitais dos países emergentes para os Estados Unidos e que isso vai mexer com a taxa de câmbio. No mercado, há quem esteja prevendo, no Brasil, o dólar a até R$ 3 em 2014. O governo, porém, não avaliza essa visão.
O país conta, hoje, com uma situação do sistema financeiro menos vulnerável a paradas súbitas nos fluxos de capital do que mostrava no passado, quando da crise de 2008/09; e com um fluxo de recursos externos bem mais modesto. Ou seja, o Brasil está, atualmente, mais desalavancado em moeda estrangeira, sem volume de recursos externos de curto prazo e com mais reservas cambiais.
Sob alguns aspectos, portanto, o país estaria melhor preparado do que na crise de 2008/09 para enfrentar solavancos. Em outros, porém, está mais frágil. Isso ocorre tanto nas contas externas - saldo comercial em queda e déficit em conta corrente em alta - quanto nas condições fiscais, onde o Tesouro Nacional tem investido na antecipação de receitas para fechar as contas do ano. É fato que a oferta de crédito doméstico está mais regrada e, com o aumento da taxa de juros, ficará mais cara. Mas as famílias continuam com elevado nível de endividamento e o consumo está mais fraco.
O próximo par de anos não será fácil para os países emergentes, produtores de commodities. De um lado, a economia americana tende a se recuperar com maior produtividade e como país exportador de manufaturas. De outro, a China desacelera mais do que os mercados estavam precificando no início do ano, piorando os termos de troca para o Brasil.
A travessia da economia doméstica para um novo patamar de taxa de câmbio, nessas circunstâncias, pode produzir mais inflação e um adiamento da retomada do crescimento econômico.
O governo pretende enfrentar os efeitos do ajuste que se avizinha com a combinação de incentivos à produtividade - com desonerações e subsídios à taxa de juros para investimentos - e moderação dos salários. A própria desvalorização do real deverá fazer uma parte do trabalho de redução do poder de compra dos salários.
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