sexta-feira, junho 07, 2013

Do Bronx à Rocinha, via Mumbai - LUCAS MENDES

BBC BRASIL


"Não vá ao Rio. Cidade do crime", você vê na internet. "Cidade de estupros de estrangeiras, de bandidos adolescentes impunes." A mensagem é longa e detalhada.

Verdade? Quem manda as mensagens? Não importa. O Rio assusta. São Paulo também. BH também. O nordeste mais ainda. Brasília? Capital do sequestro. O Sul, abaixo de São Paulo, que era segurança maravilha, hoje é destaque nas manchetes do crime.

Neste fim de semana, em Nova York, uma campeã na redução de crimes violentos, foi batido um recorde negativo. Vinte e cinco pessoas baleadas com seis mortes em menos de 48 horas, entre eles uma menina, Tutu, de 11 anos, ferida no pescoço na porta da casa dela durante um tiroteio de gangues. A bala foi parar na espinha. Tutu está paralítica.

Sara, outra adolescente, atingida em outro tiroteio, sábado, no bairro do Bronx, hoje é uma heroína dos jornais. Quando viu que todos correram e o carrinho da criança ficou abandonado na calçada, ela saiu em socorro e foi baleada. Ela se recupera de um ferimento na perna.

Apesar do número recordista de violência armada em muitos anos, maio mantém a escrita de violência em queda. Desde 1964, é o maio menos sangrento de Nova York. Nova York ainda tem crédito no banco da segurança.

A manchete maior na queda do crime vem de Chicago, que liderava o país em guerras de gangues. Queda de 35% desde janeiro. A ação da polícia começou com a morte de uma adolescente num tiroteio de gangues. Haydee Penbertom, de 15 anos, uma estudante brilhante, boa filha, sem conexões com bandidos.

Os protestos dos vizinhos mexeram com a polícia que, numa operação parecida com as UPPs, despachou 400 policiais para ocupar as vinte áreas mais violentas da cidade. Além do número, o impacto das câmeras pela cidade foi decisivo.

Nenhum bairro americano se compara ao Bronx, de Nova York, em fama de violência, destruição e decadência. No passado. Outras cidades podem ser mais perigosas, mas em Nova York tudo é multiplicado pela mídia. Mais da metade do Bronx foi destruída em incêndios criminosos. Não é exagero. Mas quando uma companhia de turismo lançou a excursão "venha conhecer o verdadeiro Bronx", inspirado em tours das favelas do Brasil, Índia e África do Sul, o ônibus com os turistas foi parado, expulso do bairro e as excursões foram canceladas.

Até agora ninguém reclamou da falta de liberdade de expressão.

O ônibus deu azar. Chegou no Bronx no dia de uma festa popular em que a população comia, bebia e festejava as conquistas culturais e a história do bairro.

Por pouco, os turistas não tiveram um verdadeiro momento Forte Apache, Bronx, o filme que chocou o mundo e transformou o Bronx num símbolo da decadência do capitalismo.

Naquela época, os americanos não queriam esconder a vergonha do bairro. Pelo contrário. Em 77, o presidente Carter percorreu o Bronx para mostrar as feridas sociais. Três anos depois, o rival Ronald Reagan voltou lá para mostrar que Carter não tinha mudado nada.

A tragédia continuava do mesmo tamanho. Virou material de propaganda na campanha política: "Veja a miséria do Bronx". Hoje, os moradores querem esconder o passado e promover o futuro.

O Bronx melhorou, e muito. Hotéis de luxo estão em construção, centenas de lojas, entre elas cadeias finas como Macy's e Target. Trump constrói um campo de golfe com padrão internacional. Para os líderes do Bronx, é urgente separar as palavras "Bronx", "incêndio" e "drogas". Mas ainda há pobreza e a rica história da violência.

Só fui à Rocinha uma vez, num evento promovido pela BBC. A intenção era mostrar um bairro em recuperação econômica e social. Foi em meados de 90 e foi tranquilo.

Muito antes, quando era guia, quase fui lá a pedido de um casal de turistas franceses. Tinha acabado de chegar ao Rio, mal sabia o que era zona sul ou zona norte, precisava de dinheiro para pagar o curso e as contas. Pintou uma vaga de guia de turismo da empresa USE. Eu falava inglês, o francês não era ruim e queria conhecer o Rio. Não escondi minha ignorância, mas isso não era problema, me explicou o chefe.

"Você passa uma semana fazendo os tours com outros guias, estuda um pouco e pronto."

Foi uma boa experiência, mas não havia excursão para as favelas do Rio. Quando passei o pedido do casal francês para o diretor, ele respondeu: "Turismo na favela? Nem pensar".

Cheguei a fazer uma conexão na Rocinha para uma viagem de táxi, mas o casal já tinha feito compromisso para subir outra serra e passar o dia com nossa família imperial.

Turismo da miséria virou negócio nos últimos vinte anos. A empresa Reality Tours and Travel fatura nas excursões de Dahravi, em Mumbai, cenário do filme Slumdog Millionaire. "Favela 5 estrelas", diz o promotor das excursões, "com 700 mil residentes, 11 mil comerciantes e , entre os miseráveis, um punhado de milionários". Não tem gangues, mas tem estupradores.

Qualquer turista vítima de crime no Brasil pré-Copa e pré-Olimpíada, vai ser notícia de destaque. A americana estuprada no ônibus no Rio e o alemão baleado na Rocinha vão provocar outros alertas como o "não vá ao Rio do crime", mas o que mais afasta turistas do Brasil ainda é a combinação preço-bagunça.

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