O ESTADÃO - 04/06
As pessoas costumam divergir sobre a existência de fantasmas, alguns achando que sim e outros, que não. Mas num ponto a grande maioria não tem dúvidas: o fantasma da impunidade anda a assombrar o resultado final do julgamento do mensalão.
É compreensível que o Supremo Tribunal Federal (STF) viva atolado de trabalho e que o processo seja o mais volumoso de nossa história, merecendo atenção especial, assim como os recursos de embargos de declaração propostos pelos condenados, todos com muitas páginas e argumentos. Mas seria perfeitamente razoável que um assunto dessa relevância, que prendeu a atenção do País e provocou um interminável suspense, recebesse dos ministros a necessária prioridade, a fim de concluir o julgamento antes que todos percam o fôlego.
Outros processos penais de direito público ou privado que estão no Supremo têm a sua importância e merecem também a necessária rapidez no julgamento. Mas o caso do mensalão apresenta particularidades próprias que o distinguem de qualquer outro e tornam importante e necessário um enfrentamento rápido, diferente dos demais.
Sim, a ordem cronológica dos processos que chegam ao Supremo merece respeito, mas não será violência alguma colocar na frente o mensalão, que é sem dúvida o que mais interesse tem para os brasileiros.
A demora nesse enfrentamento, compreensível para a parcela da população mais ligada ao Direito, é vista pela maioria dos brasileiros como o risco de repetição do velho chavão - aquele que admite prisão apenas para prostitutas, pobres e negros. Pessoas importantes e ricas não costumam ser vistas atrás das grades, mesmo as que tenham praticado os piores crimes.
A fazer crescer esse fantasma rondando o Supremo está a horripilante pressão do Congresso Nacional, que já chegou ao extremo de pretender que as decisões dos ministros só sejam consideradas válidas depois de examinadas a aprovadas pelos parlamentares. Sem nenhuma dúvida, foi um esforço torpe do grupo político aliado ao governo - e, certamente, dos condenados José Dirceu e José Genoino, este, inclusive, um dos principais protagonistas.
Realmente, alguém que teve seus direitos políticos cassados e que não poderia, portanto, exercer o mandato de deputado federal participou ativamente da votação que tinha por objetivo quebrar as pernas do Supremo e beneficiar a ele próprio. Enfim, uma vingança mesquinha, das piores já vistas na vida pública brasileira.
Por força de atitudes desse calibre, o fantasma da impunidade volta mesmo a assombrar. A demora no julgamento e a possibilidade de políticos aliados ao ex-presidente Lula buscarem influir no resultado final difunde insegurança e medo.
É nesse ponto que a escolha de um novo ministro do Supremo indicado pelos petistas também ajuda a assombrar o ambiente, porque, muito embora ele não tenha participado da parte inicial do julgamento, poderá votar e influir no resultado final.
Ainda que o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, já tenha externado a convicção de que, após os embargos declaratórios, os pretendidos embargos infringentes, de feição modificativa, não encontram acolhida na legislação em vigor, a questão é tormentosa e poderá provocar divisões entre os ministros.
Se forem admitidos, os embargos infringentes encerrarão o risco de as divergências externadas pelos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli em favor dos condenados chegarem a um desfecho contrário, favorável à absolvição. Dois novos ministros, escolhidos após o julgamento, terão direito a voto e serão capazes, se assim quiserem, de virar o resultado.
Nesse ponto fica a impressão de que os fantasmas realmente existem. Caso um desastre desse calibre aconteça na mais preservada instituição do País, o exemplo desastroso poderá se propagar às instâncias inferiores e colocar o carimbo de descrédito na Justiça, aniquilando as esperanças daqueles que litigam nos tribunais.
O grupo de condenados políticos sempre foi muito poderoso e continua com a sua dose de poder, inclusive tendo aliados que não se furtariam a prestar um favor para poder receber em troca aqueles benefícios tão corriqueiros. Sim, a despeito da figura emblemática de Joaquim Barbosa, bem como do sentimento de justiça já externado por alguns ministros do Supremo, não há certeza alguma de que o julgamento do mensalão manterá a decisão de punir e enviar para a prisão os réus condenados.
Esse julgamento teve repercussão mundial e serviu para projetar interna e externamente uma imagem de respeito à Justiça e ao Direito, algo que parecia distante e em choque com o cotidiano brasileiro, que tem a marca da impunidade.
Será inadmissível que pagamentos de favores políticos tenham influência no julgamento final e concorram para desmoralizar uma instituição que cresceu aos olhos de todos e difundiu credibilidade e admiração até mesmo entre as pessoas de menor escolaridade, que representam a grande maioria dos brasileiros. O procurador-geral da República já chegou a externar sua preocupação e a dizer que teme pelo resultado do julgamento do mensalão.
A imagem de Joaquim Barbosa e a forma corajosa com que enfrentou aquele julgamento merecem ser confirmadas nesta fase final. O desfecho da Nação é tão somente que os culpados paguem pelos seus crimes na forma da lei.
É inacreditável que os políticos condenados, em vez de estarem sob a custódia do Estado, cumprindo pena, estejam atuando claramente com o objetivo de desmoralizar exatamente a instituição que os condenou, sempre sob o argumento enganoso de julgamento político. Curiosamente, nunca negam que tenham avançado no dinheiro público naqueles tempos, quando pareciam impunes e tudo lhes era fácil.
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