FOLHA DE SP - 08/06
Os atuais mecanismos do processo demarcatório da Funai devem ser modificados com urgência. O órgão padece de estrutura operacional e recursos orçamentários adequados, ficando à mercê de ONGs que lhe fornecem, além de ajuda financeira, uma forte sustentação ideológica, de resto altamente deslocada nesse período de globalização da economia.
As ações da Funai têm gerado insegurança no campo, prejudicando um dos setores vitais da economia brasileira. Mesmo porque há imensas suspeitas de que os laudos antropológicos que amparam as decisões demarcatórias são anticientíficos e fraudulentos.
O caso dos conflitos na fazenda Buriti é emblemático. Fui vice-presidente do Movimento pela Anistia e Direitos Humanos em Mato Grosso do Sul, lutei contra a ditadura e sonhei com a volta da ordem democrática no país. Enfrentei os arreganhos do Estado de exceção. Fui relator da constituinte estadual e comemorei o Estado democrático de Direito.
Nesse aspecto, sinto-me frustrado porque jamais imaginei que pudesse um dia me sentir vítima dos instrumentos de liberdade que ajudei a conquistar.
Não cabe mais na lógica do exercício da cidadania um órgão como a Funai, que formula, identifica e delimita áreas indígenas, julgando inclusive as contestações dos produtores, que devem ser apresentadas no prazo exíguo de 90 dias.
A PEC 215, em tramitação no Congresso Nacional, por outro lado, não soluciona o fulcro dessa questão, embora tente criar um critério democrático de consulta num espaço que atualmente está vazio.
A Funai tem todo o tempo do mundo disponível para elaborar seus relatórios antropológicos "técnico-científico", mas não admite que o contraditório seja estabelecido dentro das mesmas regras. Daí, a partir desse modelo, além da falta de transparência e autoritarismo, o estopim da crise é aceso, fomentando lutas desnecessárias.
Nesse aspecto, a Funai tornou-se uma instituição obsoleta. A legislação que ampara e regulamenta suas ações tornou-se anacrônica porque ela não conduz à paz no campo e sim aos conflitos permanentes.
Não há como um produtor de alimentos que tem a posse legal de suas terras, reconhecida pelo Estado, escriturada em cartório, mediante atos jurídicos perfeitos, aceitar que deva sair de suas terras, no bojo do qual ele é julgado pelo próprio órgão que o demanda juridicamente.
Ora, o Estado democrático de Direito pressupõe garantias à posse legal da terra, rechaçando o esbulho e sua tomada pela força e violência.
Quando invadiram a fazenda Buriti --propriedade de 302 hectares que minha família adquiriu em 1927-- e reagiram violentamente a uma ordem de reintegração de posse, queimando casas, roubando gado, matando animais, enfim, transformando-a em escombros, vi ali a esvair-se a história política da minha vida.
Lamentei que isso tenha custado a vida de um brasileiro, o índio Oziel Gabriel, pois sei que aqueles que tombam numa luta inglória entregam o fardo da responsabilidade para os companheiros que permanecem na empreitada.
Que esse conflito sirva para provocar uma inflexão no eixo político, alterando o papel da Funai na definição das políticas demarcatórias, estabelecendo critérios justos e objetivos na identificação das terras indígenas.
Caso contrário, a raposa continuará tomando conta do galinheiro, e as galinhas continuarão sendo vítimas, sem poder reclamar para um governo que não ouve, não enxerga e prefere continuar tergiversando diante de tão grave questão.
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