domingo, junho 02, 2013

Acorda, Brasil, enquanto é tempo - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 02/06

O país não perde o sono com a Aliança do Pacífico porque está dormindo profundamente no ponto


Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional da presidente Dilma Rousseff, tem toda a razão ao dizer que a Aliança do Pacífico, o conglomerado que abre um rombo no quintal do Brasil, não tira o sono do grande país tropical. Não tira porque, de fato, o Brasil está dormindo no ponto, como se dizia antigamente, em matéria de integração regional e negociações comerciais.

Lembro-me de uma conversa com Marco Aurélio, pouco antes da posse de Dilma, na qual ele dizia que o novo governo cuidaria mais da institucionalização das iniciativas lançadas ou consolidadas no período Lula do que de inovar mais.

Parecia fazer sentido, por mais que institucionalização aos ouvidos de jornalistas soe a burocratização, inimiga mortal do jornalismo.

De fato, Lula e seu chanceler Celso Amorim tinham todos os dedos ligados na tomada, se mexiam em todas as direções, puseram o Brasil no mapa do mundo mais do que em qualquer momento anterior. Quem, como eu, cobre viagens presidenciais ao exterior desde o governo do general Ernesto Geisel, já se vão quase 40 anos, pode dar testemunho ocular desse fato.

Portanto, tinha lógica institucionalizar novidades ou organismos frescos como os Brics, a Unasul, a agora denominada Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), o Ibas (Índia, Brasil, África do Sul), a Aspa (América do Sul/países árabes).

Pena que nem se avançou na institucionalização nem se lançaram novas iniciativas. Nem sequer se reinjetou vida em um organismo, o Mercosul, paralisado há anos.

A propósito: Paraguai e Uruguai, dois dos cinco sócios do Mercosul, já pediram status de observadores na tal Aliança do Pacífico, formada por Chile, Colômbia, Peru, México e Costa Rica.

Mais grave ainda: enquanto o Brasil dorme, outros avançam nos mercados que, teoricamente, seriam mais propícios à produção brasileira, os dos vizinhos. As exportações brasileiras para a América Latina caíram 9,4% no ano passado, mais do que o retrocesso nas vendas em geral ao mundo (5,3%).

Comenta o sítio Infolatam, rico em informações sobre a América Latina: "Ao Brasil está ocorrendo algo que, pouco tempo atrás, era difícil de imaginar: seus negócios com o resto da América Latina parecem estancados ou, inclusive, em retrocesso. Com problemas para recuperar um ritmo de crescimento robusto, o gigante sul-americano enfrenta cada vez mais desafios em matéria de comércio e investimento em sua própria região".

De fato, os desembolsos do BNDES para projetos de companhias brasileiras na América Latina caíram 34% no ano passado (somaram US$ 1,070 bilhão).

Nesse ponto, dá-se um cruzamento perfeito entre sucessivos "pibinhos" e o sono diplomático, como comentou para a BBC Oliver Stuenkel, especialista da Fundação Getúlio Vargas em relações internacionais: "A capacidade de um país de exercer liderança é influenciada também por sua capacidade de crescer economicamente. Se tivermos um PIB fraco por alguns anos mais, veremos o projeto brasileiro debilitado".

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