sexta-feira, maio 03, 2013

O maior medo - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 03/05

Há 30 anos, em 1983, o maior medo dos paulistanos ouvidos pelo Instituto Datafolha era da inflação; hoje, refeita a pesquisa da mesma forma - com resposta estimulada e única -, o maior medo é de que algum jovem da família se envolva com drogas. O interessante é constatar como estavam certos os que tinham medo da inflação em 1983.

O Datafolha refez a pesquisa para comemorar seus 30 anos. O que chama a atenção, quando se olha para trás, é a sabedoria das pessoas ouvidas. Em 1983, a inflação estava caminhando para 300% ao ano. E o país travaria, na década seguinte, a mais tenaz luta contra a alta dos preços da sua história. A ditadura legou ao país o descontrole inflacionário, com um gene mutante, a indexação, que o tornara mais forte. Foi preciso atravessar planos econômicos, experimentos, seis moeda - uma delas a virtual URV - para derrotar o reajuste dos preços que chegou ao patamar de 5.000%.

O medo era real naquele ano de 1983. O país já tinha entrado num túnel do qual só saiu anos depois com muito sofrimento e perdas. O fato de só 7% terem apontado que este é o maior medo agora não quer dizer, em absoluto, que os brasileiros não se preocupam mais com isso. Nos últimos meses, os consumidores mostraram várias vezes seu desconforto com os preços, mas eles sabiamente escolheram como maior preocupação "que jovens da família se envolvam com tóxicos".

As drogas mudaram de patamar. Algumas são agora mais virulentas, desagregadoras e difíceis de vencer, como o crack. Então, de novo, tem razão o entrevistado do Datafolha. É um desafio para as famílias e para as políticas públicas lidar com a complexidade a que chegou o risco que cerca os jovens.

A queda para 7% do percentual dos que elegem a inflação, se não for bem entendida pelos governantes, pode induzi-los a erros. O brasileiro mudou ao vencer a hiperinflação, em 1994. Hoje, ele é intolerante com a alta dos preços e reage a cada momento que eles sobem um pouco, ainda que seja para patamares que nem de longe pareceriam graves nas décadas de 50, 60, 70, 80 e até meados de 90. Hoje, o IPCA está um pouco acima do teto da meta e isso é considerado grave, gravíssimo.

Por que então só 7% apontam como seu maior medo? O país acha que ela não está fora de controle e que o governo impedirá que ela continue a subir, por mais que desconfie frequentemente das hesitações que a política econômica tem demonstrado. Mas a população está ligada ao problema e punirá com queda de popularidade o governo que deixar a inflação fugir ao controle. O brasileiro, que durante 50 anos viveu com índices em dois dígitos, depois, em três dígitos, e em seguida, com o descontrole inflacionário, criou anticorpos contra esse fenômeno.

Mesmo assim, estruturas mentais do passado permanecem vivas, como essa tresloucada ideia de reindexação dos salários, com gatilho, que foi apresentado pelo Paulinho da Força Sindical. Se adotada, é o caminho para a repetição da tragédia. O país tem é que varrer o que resta de lixo da indexação, em vez de recriar mecanismos que nos levaram ao desastre.

A presidente Dilma, em pronunciamento em cadeia nacional, na quarta-feira, disse que o combate à inflação é uma preocupação permanente de seu governo. Mas o que os números mostram, de fato, é o IPCA longe do centro da meta durante todo o seu mandato.

Há a expectativa bem provável de que o índice volte a cair nos próximos meses, mas o governo deixou de lado toda a ousadia de levá-la a patamares mais baixos. Pelo contrário, tem aceitado que ela fique estacionada num nível alto demais, o que a torna vulnerável a choques.

Ao contrário dos argentinos, que aceitaram que a inflação voltasse a 25%, aceitam a intervenção no instituto oficial de pesquisas de índices de preços e admitem que o ministro da Fazenda fuja (fisicamente) de uma entrevista, quando lhe perguntam sobre o tema, os brasileiros aprenderam a lição. Na minha longa vida de jornalista construí esta profunda convicção: o brasileiro de hoje não tolera inflação fora de controle.

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