FOLHA DE SP - 03/05
Será que só existe no país a direita dos bolsonaros? Onde está o conservador minimamente equilibrado?
Quando se trata de minha responsabilidade perante o leitor, não me incomodo em ser acusada de vira-casaca, maria-vai-com-as-outras ou, sei lá, de vaca leiteira. É que comigo não cola, o insulto entra por um ouvido, contorna a solitária ervilha que habita o meu cérebro e sai pelo outro orifício auricular.
E como minha obrigação aqui é servir a verdade, ao menos a minha verdade, única que conheço e tenho a oferecer, não me acanho em dizer que passei todos os anos da prefeitura de Marta Suplicy em guerra com sua administração.
Foram dezenas de colunas atirando mísseis, flechadas e torrões de terra contra sua prefeitura. Essa mesma que a maioria dos paulistanos ora aponta em pesquisa do Datafolha como a melhor dos últimos 30 anos.
Antes que Marta anunciasse sua candidatura, nos vimos em um almoço e eu a puxei de lado para perguntar: "Que preparo você tem para enfrentar um pepino desses? O que sabe de planejamento? Como vai enfrentar o jogo pesado das máfias que dominam a cidade?"
Marta respondeu com tranquilidade domesticada, mas não pôde deixar de notar que eu estava tendo um "surto machista". Ora. "Implicância de sexóloga feminista radical", pensei. E lá fui, depois de ela eleita, pegar no seu pé e me opor às palmeiras imperiais na avenida, aos túneis (que são inúteis mesmo, diga-se) e a tudo mais.
E a Erunda, então? Como militante, esteve ao lado dos que ateavam fogo em busum. No dia em que foi eleita, considerei seriamente a possibilidade de transferir meu domicílio até mesmo para Cubatão.
Mas essa nordestina que praticou medidas impopulares de contenção de gastos em sua gestão aparece na pesquisa quase emparelhada com o indefectível marqueteiro paulistaníssimo "doutor" Paulo Maluf.
Ao contrário do filho do "túnel Maria Maluf", Erundina encara o serviço público como missão. Sei disso porque vi de perto. Ela acabara de ser eleita quando meu pai, Piero, foi procurá-la, na condição de presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo, para comunicar que o Brasil estava prestes a perder o GP de F-1. Imediatamente, ela encampou a ideia de trazer a corrida para Interlagos, vislumbrando os benefícios aos cofres públicos. Ou seja, não operava apenas movida por ideologia. Não posso deixar de mencionar que Erunda e meu pai, que de petista não tinha nada, forjaram uma amizade profunda que durou até a morte dele. Pra você ver.
O tempo passou e o paulistano (sim, eu também) mudou (mudamos) de ideia sobre cada gestão. Lembro da primeira palestra sobre alcoolismo (dentro do programa de Consumo Responsável da Ambev) que dei em um CEU. Saí de lá acreditando que, se o modelo pudesse ser replicado, o país estaria encaminhado.
A avaliação com certo distanciamento dos gestores da cidade evidencia a falta que faz um sistema político com partidos representativos. Onde estão, por exemplo, os conservadores minimamente equilibrados? É possível que só exista a direita boçal dos bolsonaros? Bela herança (mais uma) do regime militar. E ainda há quem sinta saudades.
Ou não? Qual foi a reação ao projeto de lei mambembe para enfraquecer um dos Poderes? Deveria ter sido riso seguido de indiferença. Em vez disso, pessoal do Facebook ao boteco começou a manifestar saudades da ditadura, ora veja!
E está certo que o Haddad poderia ter tido um pouco mais de sensibilidade e timing com essa de querer mudar rua com nome de torturador. Se o objetivo era nutrir a polarização do Fla-Flu, obteve pleno êxito.
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