sábado, maio 04, 2013

O Brasil em cartaz - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 04/05

Deve ser mesmo insuportável viver num mundo em que todos são gênios e que nenhuma surpresa, boa ou má, nos aguarda na esquina


A semana cinematográfica está repleta de filmes brasileiros recentes em cartaz. São nada menos que dez títulos, o que seria impossível de acontecer até poucos anos atrás. Junto com a boa notícia do aumento da produção (estamos fazendo cerca de cem filmes anuais), chega-nos também a de outras virtudes do conjunto desses filmes.

O cinema brasileiro foi sempre elemento de destaque no nosso tradicional complexo de viralata. As elites nacionais sempre duvidaram de nossa capacidade de fazer filmes, apesar de o povo nunca deixar de vê-los, sempre que tem oportunidade. Mesmo filmes que se destacam pela qualidade artística, em geral só são respeitados depois de reconhecidos e premiados no exterior.

Nosso cinema nunca teve uma história fluente, sempre viveu de ciclos que se abriam e fechavam, durando sempre muito pouco. Para ficarmos apenas nos ciclos mais recentes, a chanchada foi absorvida pela televisão, a Vera Cruz faliu por má distribuição de seus produtos, o Cinema Novo foi amordaçado pela ditadura militar, a Embrafilme fechada pela mesquinharia trágica de Fernando Collor.

Hoje vivemos o que se convencionou chamar de "retomada", período de produção cinematográfica crescente e intensa que já dura cerca de 20 anos e que esperamos não seja mais um ciclo, e sim o início da história de nosso cinema como atividade permanente no país.

Inventado na virada do século 19 para o 20, o cinema é uma arte complexa capaz de absorver as outras e uma produção híbrida de artesanato e indústria. Digamos que o cinema não tem caráter, embora tenha muita personalidade. Em confronto com a grandeza do cinema americano do século passado, nossas elites sempre viram o cinema brasileiro esbarrando em falta de preparo intelectual e em fragilidade técnica irreparáveis.

Hoje vivemos uma prática universal do audiovisual e o Brasil acompanha bem essa nova forma de conhecimento humano. Filma-se em todo lugar do mundo e em todas as camadas sociais de cada país. A televisão, o digital, a internet, os games, o celular, se tornaram meios hegemônicos de comunicação entre os jovens, inclusive no Brasil. E é isso que está determinando o futuro da cultura global.

Como o avozinho patriara dessa família, o cinema continua merecendo o respeito que lhe é devido, se tornou um espaço nobre dessa revolução audiovisual, sempre consultado e referido quando há dúvidas no ar. O cinema, como o conhecemos hoje, não vai acabar nunca, mas é claro que o futuro dele será necessariamente outro.

A multiplicação dos meios de difusão provocou grande diversidade na produção do audiovisual e o cinema brasileiro acompanha esse tropo universal com naturalidade. Num país tão diverso como o nosso, não poderia ser diferente. O que é um filme brasileiro? Aquele que é feito na floresta amazônica ou na Avenida Paulista? Nas praias do nordeste ou nas cidades coloniais de Minas? Nas favelas do Rio ou no Pampa gaúcho? O que é essa entidade "filme brasileiro"?

Os filmes em cartaz nos dão belo exemplo dessa complexa diversidade. Ao lado de um filme rigoroso e melancólico, como "O abismo prateado", de Karim Ainouz, temos uma comédia carioca com astros do youtube, como "Vai que dá certo", de Maurício Farias. Do documentário político que nos ilumina momento grave na vida do país, como "O dia que durou 21 anos", de Camilo Tavares, podemos passar a "Somos tão jovens", de Antonio Carlos da Fontoura, biografia de Renato Russo, um momento seminal de nossa música popular.

Ao lado do veterano Reginaldo Farias, diretor de "O carteiro", temos Tata Amaral, talento revelado há pouco tempo, diretora de "Hoje". Do doce "Meu pé de laranja lima", de Marcos Bernstein, inspirado no clássico infantil de José Mauro de Vasconcelos, a "Uma história de amor e fúria", animação barroca e distópica de Luiz Bolognesi. De um documentário social, como "Doméstica", de Gabriel Mascaro, ao documentário musical de Eduardo Escorel, "Paulo Moura – Alma brasileira", na tradição de fil8998mes recentes que abordaram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, Raul Seixas, Cartola, e outros.

Vi alguns, mas não todos esses filmes. Provavelmente nem todos farão sucesso, nem todos atrairão grande público, nem todos são bons. Os melhores serão sempre minoria - é assim em todas as cinematografias do mundo, será sempre assim em qualquer assunto, em todo o planeta. Mas o que importa isso? Importa mais sabermos que temos muitas estradas a seguir para entendermos melhor quem somos, comunicando-nos uns com os outros através do cinema. Deve ser mesmo insuportável viver num mundo em que todos são gênios e que nenhuma surpresa, boa ou má, nos aguarda na esquina.

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