quinta-feira, abril 04, 2013

JK foi um craque - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 04/04

Sem a indexação do passado, não há motivos para temer algo sequer próximo à hiperinflação dos 1980


A coluna de Samuel Pessôa na Folha do domingo passado primou pela honestidade ao defender o pensamento econômico convencional. Seu objetivo foi comentar dois aspectos da fala da presidenta Dilma na semana passada, na África do Sul.

No primeiro, Pessôa discorda da tese que associa a inflação mais alta em 2012 a um choque da oferta agrícola mundial. Para ele, houve um crescimento baixo com inflação "alta" porque a economia brasileira estaria mostrando os limites estruturais de sua capacidade de crescer, algo associado ao excesso de intervenção estatal e ao grande peso dos serviços no crescimento.

Assim, é necessário elevar os juros para conter a demanda e controlar a inflação, condição essencial para o país voltar a crescer.

Contudo, o colunista reconheceu que, em debates parecidos, o BC contrariou acertadamente as opiniões dos ortodoxos. Esse é um sopro de honestidade depois da histeria que se instalou em agosto de 2011 nos meios de comunicação após o BC reduzir os juros que tais analistas julgavam ter que ser elevados. Poucos vieram a público dizer que erraram.

No segundo aspecto, Pessôa se preocupa com a possibilidade de a presidenta acreditar em teses "velhíssimas", que contrariam a hipótese ortodoxa de que a inflação é um fenômeno puramente monetário, que deve ser combatido com aumento da taxa de juros, além da manutenção do equilíbrio fiscal.

Numa visão alternativa, a inflação tem causas mais gerais, fruto de conflitos distributivos persistentes, que podem precisar ser sancionados por expansões monetárias.

Em casos como o dos choques do petróleo nos anos 1970, não há dúvida de que o surto inflacionário mundial nada teve a ver com expansões monetárias, mas isso também ocorreu, pois, do contrário, a demanda por moeda subiria tanto que criaria uma crise deflacionária e altamente depressiva.

Mas não considerar a inflação tão perturbadora não significa crer que ela seja uma forma de promover o crescimento, e, sim, entender que é um fenômeno que pode ocorrer mais pronunciadamente em países que buscam se industrializar tardiamente, quando precisam dar grandes saltos em suas estruturas produtivas.

Ademais, o adjetivo "velho" não tem a conotação negativa dada pelo colunista. Não faltam teses velhas na economia. A dificuldade de testar suas hipóteses, dada a complexidade do objeto, faz que seja pouco afeita a resolver suas controvérsias.

Em geral, as teses ortodoxas são mais velhas, por serem mais simples e intuitivas. Por exemplo, as recomendações de ajuste fiscal foram soberanas até Keynes no século 20 propor uma alternativa.

Contudo, Pessôa reconheceu que a possibilidade de a inflação comprometer o crescimento não tem horizontes tão curtos quanto supõem os livros-texto, dando os exemplos do Brasil no século 20 e mais recentemente da Argentina.

O problema é que tal crescimento seria de "péssima qualidade", que no final geraria desorganização da produção e hiperinflação, entre outros males. O colunista sabe que o país está longe disso, mas se preocupa que a presidenta apoie "o crescimento a caneladas do período JK".

Crises acontecem e às vezes são duradouras, mas o saldo da industrialização brasileira no século 20 foi positivo. A política econômica nos últimos anos buscou ser menos conservadora, mas ainda está longe do forte processo de industrialização por substituição de importações do período JK.

Politicamente, isso fez sentido. Foi possível crescer e incluir pessoas, mantendo o câmbio valorizado e a inflação baixa. Com a crise internacional persistente, talvez esse modelo chegue ao limite. Mas numa visão alternativa isso não se deveria à falta de política menos intervencionista, e, sim, à falta de demanda interna. É a hora de voltar o crescimento para os investimentos em infraestrutura e para a alavancagem dos fornecedores das cadeias industriais.

Caneladas são inevitáveis, mas isso é só entender que o crescimento é um fenômeno de desequilíbrio. Sem a indexação do passado, com um setor externo em situação confortável e uma institucionalidade bem consolidada nas finanças públicas, não há motivos para temer algo sequer próximo à hiperinflação dos 1980.

Se desta vez a indústria brasileira conseguir dar o salto de qualidade para se tornar inovadora, as caneladas não farão diferença, mas isso só faz sentido para quem julga a indústria importante.

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