quinta-feira, abril 04, 2013

A função da cafeína na natureza - FERNANDO REINACH

O Estado de S.Paulo - 04/04

Você já se perguntou por que uma planta de café produz cafeína? Seguramente não é para nos propiciar o prazer de um expresso. Nossa espécie só passou a apreciar o café por volta de 1450, quando a população do Iêmen e da Etiópia domesticou-se e passou a consumir o café.

Até recentemente se acreditava que a função biológica da cafeína era proteger a planta contra o ataque de herbívoros. A cafeína torna as folha e frutas amargas, afastando os predadores. Os cientistas acreditavam que o efeito da cafeína sobre o sistema nervoso, como facilitador do aprendizado e inibidor do sono, não estava relacionado à sua função biológica na natureza. Mas agora tudo mudou.

Essa história começou em 2005, quando foi descoberto que o néctar produzido pelas flores do café também contém cafeína. Isso despertou a curiosidade dos biólogos. A grande maioria das plantas necessita da colaboração de insetos para se reproduzir. Abelhas transportam o pólen das flores macho para as flores fêmea, garantindo a fecundação. Mas a competição entre as plantas pela atenção dos insetos é grande. Em um jardim florido, essa sedução visual e olfativa é evidente. Flores vistosas, coloridas e cheirosas competem pela atenção das abelhas, que são remuneradas com uma porção de néctar doce e nutritivo se decidirem visitar uma flor e concordarem em transportar seu pólen. Será que a cafeína faz parte desse arsenal de sedução?

Em um primeiro experimento os cientistas coletaram o néctar de diversas plantas e mediram a concentração de cafeína. Eles descobriram que a quantidade de cafeína no néctar é sempre baixa, menor que a quantidade necessária para tornar o néctar amargo e afugentar os insetos.

Em seguida os cientistas decidiram condicionar abelhas a reconhecer um aroma específico, oferecendo um néctar artificial como recompensa. Se voasse em direção ao cheiro, o primeiro grupo era recompensado com um néctar contendo somente açúcar e o segundo grupo, com néctar contendo açúcar e uma pequena quantidade de cafeína. As abelhas de ambos os grupos aprenderam rapidamente a voar em direção ao cheiro.

Se na primeira tentativa poucas abelhas voavam diretamente para a fonte do cheiro e bebiam o néctar, na segunda 20% delas voavam rapidamente para o cheiro. Na sexta tentativa 60% já tinham associado o cheiro à recompensa. A velocidade com que as abelhas aprendiam era praticamente igual, independentemente da presença de cafeína no néctar. A surpresa veio no experimento seguinte.

Para medir quanto tempo esse aprendizado durava na memória das abelhas, elas foram testadas novamente 10 minutos e 24 horas após o aprendizado. O resultado é impressionante. Os dois grupos de abelhas se lembravam do cheiro 10 minutos depois de terem sido educadas. Mas 24 horas depois, as abelhas recompensadas só com açúcar haviam esquecido o que tinham aprendido. Já as abelhas recompensadas com açúcar e cafeína se lembravam perfeitamente do que haviam aprendido e voltavam à origem do cheiro rapidamente.

Esse aprendizado duradouro, induzido pela cafeína, durou até 72 horas - um tempo longo na vida de uma abelha.

Como a organização do sistema sensorial e do cérebro das abelhas é bem conhecida, os cientistas foram capazes de demonstrar que os circuitos cerebrais envolvidos na memória de longo prazo eram ativados e reforçados quando a abelha consumia cafeína.

Esses resultados demonstram que a presença de cafeína no néctar das flores de café permite que as abelhas guardem por mais tempo a associação entre o cheiro das flores e o prazer obtido ao consumir seu néctar açucarado.

A cafeína parece ser mais uma arma no arsenal das plantas. Além de usarem flores vistosas e cheirosas e uma recompensa rica em açúcar, algumas plantas utilizam drogas capazes de agir no sistema nervoso central dos insetos para garantir que eles voltem frequentemente às suas flores.

Se esse mecanismo tem um lado romântico, pois permite às abelhas guardarem por mais tempo memórias deliciosas, ele também pode ser visto de maneira nefasta. Assim como um vendedor de crack fornece drogas psicoativas capazes de viciar o consumidor, garantindo sua volta para obter uma nova dose, podemos imaginar que a planta de café utiliza esse alcaloide chamado cafeína para alterar o cérebro das abelhas e garantir que elas retornem às suas flores.

Qualquer que seja sua opinião moral sobre o uso da cafeína pelas plantas, uma coisa é certa: nós bebemos café pela mesma razão que as abelhas bebem o néctar nos cafezais. E eu confesso, sem culpa, sou tão viciado em café quanto qualquer abelha que vive nas proximidades de um cafezal.

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