FOLHA DE SP - 30/11
RIO DE JANEIRO - Nelson Rodrigues deixou centenas de frases definitivas, você sabe. Mas Nelson morreu em 1980, e o mundo seguiu sem ele. Daí que, diante de algum novo escândalo nacional, sempre me perguntam o que ele diria se ainda estivesse por aqui. Respondo que esse é um tipo de suposição em que ninguém me pega -tentar adivinhar o pensamento de Nelson Rodrigues. Mas a política é dinâmica e, de repente, talvez até algumas frases de Nelson tenham de ser revistas.
Sobre Brasília, por exemplo -não a cidade, mas o poder-, ideal para o planejamento e prática de atos ao largo da nação. Em 1969, Nelson afirmou que lá "todos são inocentes e todos são cúmplices" -frase que, com a ressalva de um ou outro breve intervalo de decência, atravessou décadas e chegou até nós. Pois pode deixar de se aplicar, agora que o processo do mensalão abriu a tampa do vaso e expôs os "malfeitos" que uma rede de cúmplices produziu e deixou para trás.
Já outra antiga imagem de Nelson, adaptada ao noticiário recente, tornou-se materialmente visível: a de que a corrupção no Brasil "pinga do teto e escorre pelas paredes". Só assim Rosemary Noronha, simples secretária de certo órgão, poderia nomear pessoas para cargos tão acima de sua posição na hierarquia. O único a não se espantar com isso talvez fosse Nelson. Para ele, não havia pessoa insignificante: "O mais humilde mata-mosquito pode se julgar um Napoleão, um César, e agir de acordo". Como tinha costas quentes, Rosemary convenceu-se de que era a Cleópatra de si mesma.
E, ao ouvir os protestos vociferados de ex-grandes nomes da política contra suas condenações, alegando uma inocência de vestais, vem-me a imagem de Millôr Fernandes: "o rabo escondido, com o gato de fora".
Muito boa mesmo, exceto por não fazer jus à inteligência e à integridade dos gatos.
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