O GLOBO - 30/11
Viver numa fortaleza, rodeado de ódio e ressentimento, não é uma fórmula para uma longa vida do Estado judeu
A recente guerra entra os palestinos do grupo Hamas na Faixa de Gaza e Israel deu novo impulso à luta dos palestinos para um país independente, e também deu novo respaldo ao líder do Hamas, Khaled Meshal, que somente este ano voltou a Gaza de Damasco depois de discordar da matança de Bashar al-Assad contra o povo sírio.
Como de hábito, essa guerra foi desigual e assimétrica, com o Hamas lançando centenas de foguetes não muito sofisticados diariamente contra Israel, e o Estado judeu respondendo com ataques de mísseis americanos de ultima geração, lançados do ar, mar e terra contra a densamente povoada Faixa de Gaza, deixando seus alvos pulverizados. No final, pelo menos 140 palestinos foram mortos em uma semana de combates, mais de metade deles civis, contra cinco israelenses mortos. A diferença desta vez foi que alguns dos mísseis, os Fajr-5 fornecidos pelo Irã, atingiram a maior cidade israelense, Tel Aviv, e os arredores de Jerusalém. Isso deu um susto na população israelense, e forçou as Forças Armadas israelenses a usar intensamente o seu sistema de proteção antimíssil chamado de Cúpula de Ferro. Há estimativas de que Israel gastou US$ 40 milhões somente com isso.
O presidente palestino, Mahmoud Abbas, que lidera a facção palestina de Fatah na Cisjordânia e que é o queridinho dos israelenses e americanos por sua política de cooperação passiva com Israel, foi praticamente esquecido nesse episódio que realçou a política de resistência armada do Hamas contra a ocupação e o bloqueio israelense dos territórios palestinos. A maioria dos palestinos aplaudiu o lançamento dos foguetes do Hamas contra Israel, mesmo muitos daqueles morando na Cisjordânia, trazendo mais dúvidas sobre a relevância de Fatah e Abbas na luta palestina de mais de 60 anos por um Estado independente. Abbas, na semana que vem, vai tentar de novo conseguir o status de Estado para a entidade palestina na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, onde terá que conseguir uma maioria absoluta dos votos a favor. Se conseguir isso, Abbas certamente vai conseguir resgatar um pouco do prestígio que tem perdido o Hamas.
Mas além de realçar as diferenças entre Hamas e Fatah, essa guerra mostrou o quanto as alianças estratégicas estão mudando rapidamente no Oriente Médio, que continua muito instável com os efeitos das ondas de revoluções da Primavera Árabe ainda se desdobrando. O Hamas tem se desligado de sua aliança com o Irã por causa da guerra civil na Síria, voltando-se em vez disso para Catar, Egito e Turquia.
Algumas semanas antes de Israel assassinar o líder militar do Hamas, Ahmad Jabari, no dia 14 de novembro, o sheik Hamad bin Khalifa al-Thani, o líder do Catar, visitou a Faixa de Gaza — o primeiro líder árabe a fazer isso por algum tempo — e levou a promessa de ajuda na forma de investimentos no valor de US$ 400 milhões.
O presidente egípcio, Mohammed Mursi, desempenhou um papel muito importante nas negociações de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, usando suas credencias islamitas com o Hamas e o desejo de resguardar o tratado de paz de Camp David entre Israel e o Egito. O Hamas prometeu não lançar mais foguetes contra Israel, por enquanto, e Israel também prometeu não assassinar mais líderes do Hamas, e disse que relaxaria o bloqueio da Faixa de Gaza. Agora só nos resta saber quanto tempo tudo isso vai durar.
O que me incomodou com essa guerra foi o jeito habitual de os israelenses se posicionarem como as vítimas em tudo isso, botando toda a culpa e a maldade nas cabeças dos palestinos. A vida na Faixa de Gaza tem sido extremamente difícil, um tipo de inferno, com quase nada entrando por causa do bloqueio israelense. É fato que a maioria dos israelenses não quer uma vida compartilhada com os palestinos, e ficam contentes em viver em uma Israel fortaleza, rodeados por povos que não sentem qualquer carinho por eles. Mas acho que a opinião pública mundial viu que a luta era desleal e que desta vez foi Israel quem começou a briga.
Com isso o Irã ficou ainda mais isolado no mundo árabe; a preferência dos EUA por Israel, como sempre, foi realçada de novo, e Mursi ficou empenhado numa batalha complexa contra os restos do regime do Mubarak que não querem ver Mursi e a Irmandade Muçulmana vencerem a sucessão no Egito.
Os israelenses vão ter que aceitar um Estado palestino ao lado de Israel, se querem viver em paz na região. Israel vai ter que tirar os assentamentos judaicos da Cisjordânia, e dividir Jerusalém com os palestinos. Viver numa fortaleza, rodeado de ódio e ressentimento, não é uma fórmula para uma longa vida do Estado judeu. Os palestinos, por sua parte, vão ter que desistir de vez do direito de retorno à antiga Palestina. Em troca, Israel deverá ceder a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, com algum tipo de corredor ligando os dois territórios para viabilizar um Estado palestino. O Hamas e o Fatah vão ter que resolver suas diferenças e pendências para beneficiar seu povo.
Mursi, agora mais do que nunca, está sob pressão para tentar conter o Hamas, já que o Egito tem uma fronteira estratégica com a Faixa de Gaza. Com o turbilhão de protestos diários no Cairo contra a suposta tomada de poder por Mursi, o presidente egípcio está tendo um batismo de fogo nos corredores do poder.
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