VALOR ECONÔMICO - 09/10
No período de 1999 a 2001, onde alguns analistas supõem que aplicamos o regime "puro", os números mostram resultados não muito interessantes: taxa de crescimento médio de 2,1% do PIB; taxa média de inflação anual de 8,8%; déficit público médio de 4,4%. A dívida líquida/PIB, que era de 39% no fim de 1998, elevou-se a 51% no fim de 2002. No período acumulamos um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões. Houve, sim, grande progresso institucional, o maior dos quais, seguramente, foi a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que transformou o Brasil numa área monetária ótima.
Não creio que alguém ainda acredite na proposição que com um único instrumento (a taxa de juros nominal de curto prazo), o Banco Central só pode atingir um objetivo (a taxa de inflação). E a razão é simples: o teorema no qual ela se sustenta é logicamente verdadeiro. O que é falso são suas hipóteses!
Isso hoje é reconhecido por excelentes acadêmicos convertidos pela vivência da política econômica a uma pequena "heterodoxia". Dentre eles, dois tiveram grande importância na formação de nossos economistas: Stanley Fischer e Olivier Blanchard. Afirmar que a política monetária tem que considerar a taxa de crescimento do PIB é pecado apenas no mundo "virtual" em que ainda vivem alguns de nossos analistas.
É preciso reconhecer que todos os modelos, desde o mais simples, o de três equações, aos mais complexos como o Samba do nosso Banco Central, supõem que a economia converge para um "equilíbrio", o que está longe de ser verdade. Eles exigem, ademais, o conhecimento de parâmetros não diretamente observáveis, de forma que a sua utilização na formulação da política econômica tem que ser cercada de muito cuidado. O próprio Blanchard (e Jordi Gali) mostraram, um pouco antes do início da crise em que nos encontramos, produzida pelo sistema financeiro, que quando os salários são inflexíveis para baixo, estabilizar a taxa de inflação está longe de ser a mesma coisa que estabilizar a taxa de crescimento. Consequentemente, existe um "trade-off" entre taxa de inflação e taxa de crescimento do PIB que exige uma política monetária que precisa do "conhecimento do desconhecido". Como dizem os autores, trata-se da "divina coincidência"!
A recente publicação das "revisões" das estimativas das taxas de crescimento do PIB americano de 2008 a 2010 mostra o enorme nível de erro relativo a que ele é sujeito. Por exemplo, a estimativa contemporânea do crescimento anual do PIB no primeiro trimestre de 2011 foi de 1,9%. A revisão em julho de 2012 mostrou que ele, de fato, foi de 0,1%! Isso introduz graves erros no cálculo do "output gap" usado na formulação da política monetária. Trata-se de "medir a distância" entre uma variável estimada (a primeira estimativa trimestral do PIB) e de outra inobservável, o famoso PIB "potencial" cujo valor depende do método aritmético ou econométrico escolhido para "estimá-lo".
No Brasil vamos aprender a lidar com o mesmo fenômeno, à medida em que o IBGE aperfeiçoa suas estatísticas. Espera-se para alguns meses uma revisão importante de seus números, o que é muito saudável para relativizar as "certezas" de alguns economistas. Curiosamente, esses aperfeiçoamentos são sempre recebidos com desconfiança por analistas engajados. Quando o IBGE anunciou a mudança dos pesos do IPCA, não faltou quem imaginasse que era para "mistificar" o IPCA de 2012. Pois bem. A verdade é exatamente outra: o uso dos "pesos" anteriores provavelmente superestimou o IPCA de 2011. Se havia erro era em 2011, não em 2012!
É preciso estimular o desenvolvimento de métodos que permitam estimar com maior precisão a variação do PIB em tempo real (como está tentando o Banco Central), separando os fatos dos "ruídos" e, assim, considerar melhor o inevitável "trade-off" no curto prazo entre o controle da taxa de inflação e nível do crescimento do PIB.
Nada autoriza a afirmação que o "pilar" da meta de inflação foi abandonado pela autoridade monetária. Diante de tanta incerteza interna e principalmente externa, é natural que ela aumente, na busca do seu objetivo, a ponderação do nível de atividade e de emprego em detrimento da rapidez de fazer convergir a taxa de inflação à meta. Não há nenhuma razão, teórica ou empírica, que condene tal alongamento se a política fiscal e a monetária são mantidas sob controle. Isso está muito longe da ideia que "um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento". O mesmo podemos dizer das críticas à política cambial utilizada em legítima defesa para proteger nosso setor industrial. É o que, aliás, estão fazendo todos os países. Chega de mundo virtual! O mundo real nos impõe algumas mudanças estruturais importantes. Ajudemos o governo a realizá-las.
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