quarta-feira, outubro 03, 2012

As lições do Fed - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 03/10


A política monetária não é panaceia. Pode ser usada para acelerar o crescimento econômico em situações, como a atual, em que a economia não faz uso de todos os seus recursos. Pode também tornar uma economia mais saudável no longo prazo ao manter a inflação baixa e estável. No entanto, muitos outros passos precisam ser dados para fortalecer a economia ao longo do tempo, como colocar o orçamento federal numa trajetória sustentável, reformar o sistema tributário, melhorar o sistema educacional, apoiar a inovação tecnológica e expandir o comércio internacional.

O discurso acima poderia muito bem ter sido proferido por um dirigente do Banco Central brasileiro, possivelmente dirigindo-se a colegas de governo. Mas não foi. O autor é Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve Bank (Fed), o BC dos Estados Unidos. Há dois dias, durante palestra no Estado americano de Indiana, ele fez a mais didática e contundente defesa da pouco ortodoxa política monetária que vem conduzindo, desde a crise de 2008, para tentar reanimar a maior economia do planeta.

Lembrando que o mandato legal do Fed é assegurar o máximo emprego e a estabilidade de preços, Bernanke justificou a adoção de políticas que, no Brasil, foram interpretadas pelas duas principais autoridades como "tsunami monetário" (Dilma Rousseff) e "guerra cambial" (Guido Mantega). Por mais heterodoxas que essas políticas sejam, os americanos não tinham outra saída.

Em circunstâncias normais, o Fed, bem como qualquer banco central autônomo, usa seu poder para influenciar as taxas de juros de curto prazo. Se a fraqueza econômica é a preocupação primária, o Fed reduz os juros; no cenário inverso, se a economia superaquece, ele aumenta os juros para conter pressões inflacionárias.

Seguindo esse padrão, durante a crise financeira de 2007 e 2008 o Fed cortou os juros rapidamente para algo próximo de zero. Apesar disso, a economia continuou fraca e a taxa de desemprego manteve-se elevada. Os americanos passaram a olhar, assustados, para o Japão, que foi obrigado a manter política de juros quase-zero por muitos anos, sem que a economia reagisse.

"Incapazes de promover redução adicional dos juros de curto prazo, procuramos, em vez disso, formas de influenciar os juros de longo prazo, que permaneciam bem acima de zero", disse Bernanke. "Argumentamos que, assim como a política monetária tradicional, baixar os juros de longo prazo deveria apoiar o crescimento econômico e o emprego ao reduzir os custos de financiamento para a compra de imóveis e carros ou para financiar investimentos em capital [máquinas, equipamentos e construção]."

Para reduzir os juros de longo prazo, o Fed lançou mão de duas formas não tradicionais de política monetária. A primeira foi comprar papéis do Tesouro americano e títulos lastreados em hipotecas (MBS, na sigla em inglês) e garantidos por estatais da área imobiliária, como Fannie Mae e Freddie Mac. O objetivo foi diminuir a quantidade desses papéis em poder de investidores para pressionar, para baixo, os juros dos mesmos. O plano era transmitir essa pressão baixista para os juros cobrados na economia, tanto para pessoas físicas quanto para empresas.

A medida cumpriu sua missão. Quando o Fed anunciou essa política, no fim de 2008, os juros dos papéis de 30 anos estavam, em média, um pouco acima de 6% ao ano. Hoje, estão em 3,5%. Bernanke informou que a iniciativa foi uma das razões da melhora do mercado imobiliário, pivô da crise de 2007/2008. Outras taxas de juros - de papéis emitidos por empresas e as de empréstimos para compra de automóveis, por exemplo - também recuaram.

Embora os juros tenham caído, o crescimento dos EUA continuou baixo e o desemprego, alto. O Fed pôs em prática, então, uma segunda política inusual: a comunicação ao mercado de que os juros permanecerão excepcionalmente baixos por um período determinado e longo de tempo. Num primeiro momento, foi dito que essa política valeria até 2014. Agora, vai, pelo menos, até meados de 2015.

A crença do Fed é a de que convencer os investidores de que os juros de curto prazo vão ficar parados, por um período longo, pode ajudar a reduzir os juros de longo prazo determinados pelo mercado. Um papel de cinco anos, por exemplo, incorpora expectativas para esse período dos juros de curto prazo dos próximos cinco anos. Se o Fed diz que esses juros não vão se alterar, o mercado tenderá a reduzir a expectativa de juro futuro.

"Em suma, o estratégica básica do Fed para fortalecer a economia (...) é a mesma de sempre. A diferença é que, com o juro de curto prazo quase a zero, nos deslocamos para ferramentas destinadas a reduzir os juros de longo prazo mais diretamente", justificou Bernanke.

O mais recente movimento dessa política foi o que ficou conhecido como QE3: a compra mensal pelo Fed, por tempo indeterminado, de US$ 40 bilhões em MBS. Somando este ao programa anterior em curso, o BC americano comprará mensalmente, até dezembro, US$ 85 bilhões em título. Bernanke deu outro recado importante: os juros ficarão baixos mesmo depois da retomada do PIB.

"(...) Acreditamos que uma postura de política monetária altamente acomodativa permanecerá apropriada, por um período considerável de tempo, depois de a economia se fortalecer", disse Bernanke. "Esperamos que, ao clarificar nossas expectativas sobre a política futura, possamos promover para indivíduos, famílias, empresas e mercados financeiros uma maior confiança sobre o compromisso do Fed de promover uma recuperação sustentável e que, como resultado disso, eles se tornem mais dispostos a investir, contratar e gastar."

Embora ainda seja cedo para afirmar que o Fed e outros bancos centrais acertaram com suas políticas monetárias expansionistas, já é possível dizer que eles impediram que o pior ocorresse, que seria o aprofundamento da crise financeira com consequências imprevisíveis sobre a economia e a paz mundial. Ao Brasil não adianta lamentar, com slogans antiamericanos, essa política. Enquanto ela estiver em vigor, haverá pressão sobre a moeda nacional, retirando competitividade da economia.

Por essa razão, a crise está obrigando o país a rever seu modelo de crescimento e isso é positivo. O governo só deve tomar o cuidado de não retroceder em temas como inflação, disciplina fiscal e modelo de inserção mundial.

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