sexta-feira, janeiro 20, 2012

Programa para político acreditar - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 20/01/12


Enquanto essa questão dos restos a pagar não for resolvida, a imersão da presidente Dilma Rousseff com grupos de ministros na "Sala Suprema" será mais um capítulo que parece surgir do fictício orçamento que sai anualmente do Congresso

O Congresso Nacional perde um tempo danado analisando o Orçamento e o Programa Plurianual (PPA). Alguns assessores e até parlamentares passam dias e noites de plantão para que o texto fique pronto dentro do prazo regulamentar. A cena de Comissão Mista de Orçamento cheia se repete todo fim de ano. Geralmente, no último dia, as excelências comemoram mais um Orçamento aprovado no plenário, o presidente do Congresso Nacional agradece a todos — em 2011, a fala de praxe coube à vice-presidente, Rose de Feitas (PMDB-ES), porque o presidente, José Sarney (PMDB-AP), do alto de seus 80 e lá vai, não aguentou ficar na sessão até bem próximo da meia-noite, quando o Orçamento de 2012 foi votado.

Para quê tanto esforço, não se sabe. Todos os anos, sem exceção, o Poder Executivo acaba fazendo o que quer, do jeito que quer e a hora que deseja. A análise do Orçamento pelo Poder Legislativo é um grande faz de conta. Os deputados fingem que influenciam e o Executivo deixa que eles pensem assim. Até porque, na hora em que falta um voto para aprovação de alguma matéria importante ao governo, o Planalto chama o parlamentar e lhe "concede" um empenho — ou seja, separa o dinheiro para futura liberação.

Se esse dinheiro vai ser liberado e a obra feita é outra longa história. Empenhado o recurso, é preciso ver se tem projeto, se a obra está em andamento, se já foi medida pela Caixa Econômica Federal, que fiscaliza grande parte dos repasses — especialmente, saneamento ou o Minha Casa, Minha Vida, programa carro-chefe do governo. Se algo der errado no ano, o parlamentar pode ter a sorte de ver seu empenho passar para os restos a pagar, a porta da esperança de quase todos os empenhos na última década.

Por falar em restos a pagar...
O que sobra de um ano para o outro é mais uma demonstração de que aquilo que as excelências costumam incluir no Orçamento de um determinado ano vira papel inútil. Ou, no máximo, uma forma de dizer ao prefeito: "Aí ó, sua obra tá lá". O total de restos a pagar de anos anteriores que passaram para 2012 é R$ 122,4 bilhões. Desse valor, R$ 56,4 bilhões são investimentos, em que estão as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estradas, ferrovias, aeroportos, creches, escolas, hospitais. Só do Orçamento de 2011 migraram R$ 84,3 bilhões para este ano, sendo R$ 31,2 bilhões em investimentos.

O nome restos a pagar, no mundo real, remete a um valor residual perante a previsão de gastos para o ano em curso. No Brasil, é quase um orçamento paralelo ao que saiu do Congresso no ano passado. Isso indica que os oito anos do governo Lula e o primeiro ano de governo Dilma fracassaram no sentido de fazer um orçamento de verdade, ou seja, gastar no ano em questão o que foi incluído na proposta orçamentária atual e não ficar apenas quitando restos a pagar — que é, na prática, o que tem ocorrido em meio a uma série de reuniões palacianas e ministeriais que tentam passar a ideia de planejamento estratégico e diferenciado.

Por falar em reuniões de ministério...
Enquanto essa questão dos restos a pagar não for resolvida, a imersão da presidente Dilma Rousseff com grupos de ministros na "Sala Suprema" será mais um capítulo que parece surgir do fictício orçamento que sai anualmente do Congresso Nacional. E, por tabela, o Programa Plurianual (PPA), publicado ontem no Diário Oficial da União (DOU). A presidente e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, tentaram transformar a lei em algo mais realista ao vetar programação de obras sem projetos ou estudos de viabilidade técnica, alcance social. Tomara que consigam, mas o esforço ainda não tirou o apelido que muitos técnicos do congresso deram ao texto: Programa para Político Acreditar (PPA). É que, reza a lenda, uma obra incluída no PPA terá recursos. Pelo menos, no papel, eles existem. Se não houver um pacto real entre os Três Poderes pelo orçamento de verdade, o PPA será apenas um papel. Ou uma numeralha na tela do computador. Afinal, do jeito que vai, como diz o comercial do bebê sorridente que está conquistando o Brasil, é melhor deixar o papel para o que realmente importa.

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