FOLHA DE SP - 20/01/12
Semana passada, no complexo ato de pendurar um quadro, dei sem querer uma martelada no dedão. Passadas as bufadas e imprecações de praxe, pensei em como aquela era uma atividade de risco para um instrumento tão rico e delicado: o dedo polegar. Por coincidência, no dia seguin te, li na Folha a candente defesa da psicanalista Anna Veronica Mautner ("Equilíbrio", 10/1/2012) sobre este órgão que ameaça ficar obsoleto, desbancado por seu vizinho, o indicador.
Durante milhares de anos, diz Anna Veronica, o polegar opositor nos permitiu pegar, agarrar, puxar, pinçar, escrever, desenhar, colorir, dobrar, aparafusar, medir, acariciar etc. e, digo eu, fazer aquele sinal de positivo ou negativo. Foi o polegar que promoveu a pata à mão, e deu no que deu. Quanto ao indicador, só servia, até bem pouco, para furar bolos e dedurar pessoas
Agora, com o avanço da tecnologia, a vida parece se resumir a digitar teclas de uma maquininha -às vezes, uma única tecla-, e ela faz o resto. Tal gesto, de fato, é mais apropriado para o indicador. Anna Veronica se pergunta que humanidade nascerá do uso obsessivo desse dedo. E propõe que as escolas continuem a tentar adestrar as crianças para o uso da mão inteira, antes que os robôs assumam de vez as funções desta.
Estou solidário com Anna Veronica e estendo minha preocupação à crescente desnecessidade do
ser humano de enxergar ao longe. Bilhões de pessoas passam agora o dia de olhos fixos numa telinha de três polegadas, a uma distância pouco maior que seus narizes. O horizonte ficou a 5 cm. O universo circundante deixou de existir, ou só existe para ser "acessado" via telinha. Tudo se resolve nela.
Órgãos pouco usados se atrofiam, como se sabe. Ou essa lei deixará de valer, ou vem por aí uma vasta geração de míopes.
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