quarta-feira, dezembro 21, 2011

Repasses ao BNDES: cornucópia? - MÁRCIO G. P. GARCIA

VALOR ECONÔMICO - 21/12/11

Foi divulgado pelo IPEA o texto para discussão nº 1.665, intitulado "Mensurando o resultado fiscal das operações de empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): custo ou ganho líquido esperado para a União?". O instigante estudo contrapõe-se a diversas manifestações, dentre as quais uma coluna que aqui escrevi há pouco mais de um ano, contrárias às vultosas transferências de recursos do Tesouro ao BNDES que vêm sendo feitas desde 2009, hoje totalizando quase um quarto de trilhão de reais.

O estudo chega à surpreendente conclusão de que, computados os benefícios de geração de investimento adicional e renda, no curto e no longo prazos, os empréstimos do Tesouro em 2009 e 2010 ao BNDES, que somaram R$ 180 bilhões, geraram ganho fiscal líquido de R$ 100 bilhões, em valor presente.

Para chegar ao ganho de R$ 100 bilhões, os autores primeiro estimaram os custos do subsídio implícito no empréstimo, pois o Tesouro empresta ao BNDES à TJLP (hoje em 6%), enquanto capta dívida, grosso modo, à taxa Selic (hoje em 11%). Em seguida, estimam um ganho fiscal de curto prazo, oriundo do aumento do produto e da renda que teria ocorrido em decorrência dos empréstimos do BNDES viabilizados com os recursos da União. Somam ao ganho fiscal um componente de longo prazo, supostamente oriundo dos efeitos dos investimentos financiados pelo BNDES sobre o crescimento da economia. O custo fiscal é estimado em R$ 50 bilhões, enquanto os ganhos em R$ 150 bilhões, daí resultando o ganho líquido de R$ 100 bilhões.

A parte inicial do estudo é a estimação dos custos diretos do subsídio implícito no empréstimo de R$ 180 bilhões. Tal cálculo envolve muitos detalhes e suposições. Infelizmente, os autores não divulgam apêndices contendo os dados fundamentais para que se possa avaliar quão razoáveis são as hipóteses adotadas. Os resultados finais das estimativas indicam que o custo fiscal direto do empréstimo da União ao BNDES (o subsídio implícito no empréstimo) seria de 28% dos R$ 180 bilhões, ou R$ 50 bilhões.

Para avaliar se tais valores são ou não razoáveis, sem dispor dos dados usados no estudo, pode-se fazer uma conta simples, supondo-se que o custo da dívida pública se mantivesse igual à taxa Selic do momento em que o estudo foi feito (7/7/2010), 10,25%, bem como a TJLP também ficasse constante em 6%. Obviamente, tal cálculo é uma aproximação grosseira, mas serve bem para avaliar, em princípio, os resultados do artigo. A tabela mostra qual seria o subsídio (perda) do empréstimo da União ao BNDES. Dado que os empréstimos são de prazos entre 30 anos e 40 anos, a conclusão é a de que os cálculos parecem subestimar em larga medida o custo fiscal do empréstimo. Uma análise mais profunda requer que os autores tornem disponíveis os dados usados.

Mas a parte mais problemática do artigo está na estimação dos ganhos de receita fiscal supostamente advindos dos efeitos dos empréstimos do BNDES sobre o aumento do investimento. Os autores reconhecem que parte dos investimentos financiados pelo BNDES teria recebido crédito de outras fontes, caso o subsidiado não tivesse existido. Portanto, é preciso estimar quanto do investimento financiado pelo BNDES deixaria de ser realizado, caso os empréstimos subsidiados não tivessem sido viabilizados pelos recursos do Tesouro. Para isso, contudo, recorrem a um instrumental econométrico inadequado. As técnicas usadas para estimar os coeficientes utilizados pelos autores nas simulações não tratam devidamente os problemas de endogeneidade econométrica, que permeiam regressões em macroeconomia. Técnicas que levam tais problemas em conta, desenvolvidas em grande parte pelos ganhadores do Nobel de Economia deste ano, Sargent e Sims, estão disponíveis há algum tempo e deveriam ser usadas.

Afinal, como se explica que, apesar de grande aumento de desembolsos do BNDES, a participação do investimento no PIB não conseguiu sequer atingir modestos 20%, no período recente?

Mas não param aí as falhas do estudo. Uma vez estimados (ainda que erradamente) os efeitos dos empréstimos do BNDES sobre o quantum do investimento, os autores prosseguem com análises baseadas em modelos keynesianos antiquados que supõem implicitamente que a economia não esteja em pleno emprego (uma boa hipótese em 2009, mas não a partir de 2010). Alguns dos coeficientes também são muito otimistas, contribuindo para inflar os ganhos fiscais. Na forma atual, as estimativas realizadas não são válidas e não podem ser usadas como base para prescrições de política econômica.

O estudo também passa ao largo de importantes temas que nenhum banco deveria deixar de considerar, como a quantificação da inadimplência. Tampouco menciona que parte dos empréstimos do BNDES foi usada para compra de empresas, aqui e no exterior, sem qualquer ganho fiscal. Finalmente, o estudo considera como ganho fiscal os dividendos pagos pelo BNDES ao Tesouro. Tal prática constitui forma espúria de gerar superávit fiscal com base em aumento da dívida pública, distorcendo as estatísticas fiscais e prejudicando o bom ordenamento das contas públicas.

Uma reflexão final: se os R$ 180 bilhões de empréstimos da União ao BNDES gerassem um ganho fiscal de R$ 100 bilhões, além de fomentar o investimento, o emprego e a renda, a prescrição óbvia de política econômica deveria ser aumentar ao máximo os repasses ao BNDES. O fato de os autores não se atreverem a colocar no papel tal prescrição é um forte indício de que talvez não confiem tanto nos resultados. Nisso eles têm razão. Não deveriam.

Márcio G. P. Garcia - PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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