segunda-feira, setembro 19, 2011

PAULO GUEDES - A embriaguez dos EUA e a vertigem da Europa


A embriaguez dos EUA e a vertigem da Europa
PAULO GUEDES
REVISTA ÉPOCA

É ERRÔNEA A CRENÇA DE QUE OS GOVERNOS PODEM "RESOLVER" A CRISE. O AJUSTE SERÁ GRADUAL E DOLOROSO


O mundo das finanças produz novidades continuamente, mas parece ter dificuldade para aprender com os erros. Não é que surge agora em Londres mais um jovem profissional de mercado praticante de alquimia reversa, capaz de transformar em pó US$ 2 bilhões de um tradicional banco suíço? E não é que os governos anunciam que haverá um esforço coordenado dos bancos centrais, a fim de garantir o abastecimento de dólares e evitar uma crise de liquidez no sistema bancário europeu?

Há um interessante debate em andamento sobre o euro ser uma moeda condenada. Mas muitos dos argumentos se baseiam na crença errônea de que as autoridades poderiam "resolver" os problemas. Se houve excessos indesculpáveis de financistas privados nas raízes da crise, houve também claramente um excesso na atuação de governos, na política de dinheiro barato do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), na manipulação cambial pelo banco central chinês e na demagogia e irresponsabilidade financeira da social-democracia europeia.

Há uma frequente condenação ao Banco Central Europeu (BCE) por não ter atuado de forma tão decisiva quanto o Fed após o estouro da crise. Essa é uma das manifestações da "crença nas autoridades". Impedir o agravamento de crises de liquidez é uma função clássica de bancos centrais, mas daí a atribuir à política monetária a capacidade de sustentar artificialmente o crescimento econômico com juros baixos vai uma enorme distância.

Desde o crash de 2000-2001, o Fed insiste nessa prática de dinheiro barato. Assim, causou bolhas de crédito, de preços de imóveis, de derivativos financeiros e de preços de ações. O resultado foi o estouro das bolhas, o colapso das finanças públicas na operação de salvamento dos bancos, a descrença nas autoridades pela socialização das perdas, a radicalização do processo político e uma taxa de desemprego de 9%. É compreensível que, pelo trauma da Grande Depressão, o Fed insista na tentativa de inflar os preços dos ativos e aquecer a economia. Mas doses cavalares do mesmo remédio de juros muito baixos por muito tempo – quase uma década –, como as aplicadas pelo Fed, tornaram-se um pesadelo.

É errônea a crença de que os governos podem "resolver" a crise. O ajuste será gradual e doloroso

Na Alemanha, o trauma histórico não é o da Depressão, e sim o da hiperinflação. Por isso, o BCE resiste às pressões para aquecer a economia, mesmo que sua atuação seja necessária neste momento para impedir o agravamento da paralisia bancária. A arquitetura de uma moeda supranacional realmente dificulta operações de "salvamento" no curto prazo. Mas a consequente austeridade monetária impede, por outro lado, a fuga irresponsável pela inflação, pela emissão de dinheiro sem lastro, que às vezes pode parecer mais sedutora que a disciplina fiscal de longo prazo.

Outro problema apontado pelos eurocéticos é a falta de instrumentos fiscais que possam amenizar as assimetrias nos impactos da crise. Não será mesmo fácil extrair recursos dos alemães por meio de impostos para financiar o "bem-estar" de gregos, portugueses e italianos. A Europa meridional podia estar melhor em um bloco econômico com uma moeda alternativa, digamos o "mediterrâneo", que se desvalorizaria substancialmente ante o euro. Mas o fato é que todos estão trancados agora na jaula do euro. Terão de apertar os cintos.

Esse aperto é tão necessário quanto inevitável e trará dores intensas. O mais provável será: 1) o gradual afrouxamento de liquidez pelo BCE; 2) um demorado, mas consistente ajuste fiscal na Europa meridional; 3) o reforço da atuação do Fundo Monetário Internacional e do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, com possível emissão de eurobônus e participação decisiva da China nesse esforço de financiamento; 4) a recapitalização do sistema bancário europeu e a reestruturação das dívidas soberanas. Enquanto os americanos permanecem embriagados pela liquidez, os europeus olham para o abismo e torcem para que haja verdade no que afirmou Nietzsche: o que não nos mata nos fortalece.

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