segunda-feira, setembro 19, 2011

CARLOS ALBERTO DI FRANCO - Faxina verde-amarela


Faxina verde-amarela
CARLOS ALBERTO DI FRANCO 
O Estado de S.Paulo - 19/09/11

Quarta-feira, 7 de setembro de 2011. Não foi mais uma festa da Independência, com desfile, continência e homenagem às autoridades da República. Foi diferente. Assistiu-se ao primeiro lance de um movimento de cidadania que tem tudo para mudar a cara do Brasil.

Convocadas pelas redes sociais, manifestações contra a corrupção atraíram pelo menos 30 mil pessoas em várias cidades do País, como Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. O maior ato foi em Brasília, onde a Marcha Contra a Corrupção reuniu na Esplanada dos Ministérios cerca de 25 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, durante o desfile em comemoração do Dia da Pátria. Os manifestantes apareceram com faixas, cartazes, vassouras representando a faxina na política, nariz de palhaço e roupa preta.

Entre os alvos do protesto, o Congresso Nacional, criticado pela vexatória absolvição da deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada recebendo propina. O movimento cobrou punição dos envolvidos no mensalão do PT, aquele que o ex-presidente Lula diz que nunca existiu. A passeata ocorreu uma semana após o congresso nacional do PT deixar claro que não apoia nenhum tipo de faxina anticorrupção no governo e considerar que esses movimentos são parte de uma "conspiração midiática" e uma forma de promover a "criminalização generalizada" da base aliada ao Planalto. Mas os manifestantes deixaram claro que não admitem a interrupção da faxina em nome da governabilidade. O poderoso PMDB e os outros partidos da base aliada sentiram a mordida da cidadania. O jogo começou e ninguém conseguirá parar no apito ou ganhar no tapetão.

Jovens, muitos jovens, exigiram a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa - que depende de julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). As faixas tinham frases fortes e bem-humoradas. Havia dizeres como: "País rico é país sem corrupção" (referência ao slogan do governo federal "País rico é país sem miséria"). O povo, mais perspicaz do que se pensa, sabe que a dinheirama da corrupção está na raiz da pobreza dos brasileiros. Verbas públicas, desviadas da saúde, da educação, da agricultura, engordam as contas dos parasitas da República e emagrecem a vida e a esperança dos brasileiros.

Um grupo de estudantes se destacou no meio da multidão com baldes e vassouras para completar a "faxina" anticorrupção do governo Dilma. Os jovens foram "limpar" o Ministério da Agricultura, pasta envolvida no escândalo de corrupção que culminou na queda do ministro Wagner Rossi. "Vamos tentar ir além, já que parece que ela (Dilma) não está muito a fim de continuar com o serviço", disse o estudante Arthur Alves, de 20 anos. Sobrou para todo mundo. "Contra Sarney e sua gangue", "Menos ratos e mais ratoeiras", "Não precisa de CPMF, basta não roubar". O pessoal lavou a alma.

Depois dos protestos realizados no Dia da Independência, os jovens prometem mais. O Rio de Janeiro já prepara um grande evento no próximo dia 20, a partir das 17 horas, na Cinelândia. O protesto, organizado pelo movimento Todos Juntos Contra a Corrupção, criado em agosto deste ano nas redes sociais, também será realizado, simultaneamente, em São Paulo, Campo Grande, Recife e Manaus, entre outras capitais. Depois vem aí outra importante rodada de manifestações, marcada para 12 de outubro. Sobram motivos para acreditar que será maior e mais capilar.

Evoco, amigo leitor, um episódio de 2006, ano em que o mensalão do PT parecia que podia terminar em punição. Acabou em pizza. Infelizmente. Agora, o STF pode reverter o quadro. Depois de uma conversa com estudantes em São Paulo, fui abordado por um universitário. Leitor voraz, inteligente e apaixonado, seus olhos emitiam um sinal de desalento. "Deixei de ler jornais", disse de supetão. "Não adianta o trabalho da imprensa", prosseguiu meu jovem interlocutor. "A impunidade venceu."

Confesso, caro leitor, que meu otimismo natural estremeceu. Não se tratava do comentário de alguém situado no lusco-fusco da existência. Não. Era o diagnóstico de quem estava nascendo para a vida. Por uns momentos, talvez excessivamente longos, uma pesada cortina toldou o meu espírito. Acabei reagindo, pois acredito na imensa capacidade humana de reconstruir a ordem social. E o Brasil, não obstante os reiterados esforços de implosão da verdade (a mentira e o cinismo tomaram conta da vida pública) e de recorrentes tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa e de expressão, ainda conserva importantes reservas éticas. Escrevi, então, aos homens de bem. Eles existiam e existem. E são mais numerosos do que podem imaginar os voluptuosos detentores do poder.

Escrevi aos políticos que ainda acreditam que a razão de ser do seu mandato é um genuíno serviço à sociedade. Escrevi aos magistrados, aos membros do Ministério Público, aos policiais, aos servidores do Estado. Escrevi aos educadores, aos estudantes, às instituições representativas dos diversos setores da sociedade. Escrevi aos meus colegas da mídia, depositários da esperança de uma sociedade traída por suas autoridades. Escrevi aos pais de família. Escrevi, enfim, ao meu jovem interlocutor. Queria justificar as razões do meu otimismo.

Faço-o agora, passados exatos cinco anos. O Brasil está, de fato, passando por uma profunda crise ética. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Ela é a confirmação cotidiana da existência do pecado original. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção. Esta, sem dúvida, deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade democrática. Vislumbro nas passeatas da faxina verde-amarela um reencontro do Brasil com a dignidade e a esperança.

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