sexta-feira, agosto 26, 2011

VINÍCIUS TORRES FREIRE - Cultura e política dos juros altos

Cultura e política dos juros altos
VINÍCIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 26/08/11
Em debate da elite tucana, economistas recorrem também à "cultura" para tratar da economia do país

OS JUROS no Brasil talvez sejam altos porque são anormalmente altos faz muito tempo. Logo, seriam altos também por um tipo de inércia. Um ou outro comentarista com cacoete de sociólogo ou até de psicólogo já levantou tal hipótese, em geral tratada com derrisão por economistas.
Com muitas cautelas, Pérsio Arida fez conjectura parecida ontem. Foi em seminário que reuniu a elite dos economistas um dia associados ao PSDB, no Instituto FHC. Foi um dia curioso. Em vários momentos, explicações econômicas contavam com a ajuda de termos como "cultura", "mentalidade", "social". Não é inédito, claro, mas tampouco usual, ao menos por aqui no Brasil.
Ressalte-se que, antes de mais nada, Arida deu a explicação fundamental, "ortodoxa", dos juros altos: escassez de poupança. No Brasil, a situação seria agravada por distorções graves no crédito. Mais interessante, porém, são os determinantes da baixa poupança segundo Arida. O governo é sempre deficitário -passemos. Mas o que determina a baixa poupança privada?
Os brasileiros seriam impacientes, querem consumir já, um fator cultural e/ou social típico do Novo Mundo (EUA inclusive). Poupam pouco também devido a impostos altos. E porque investem nos filhos, esperando retorno no futuro da renda mais alta da prole bem educada.
Poupa-se pouco no Brasil ainda devido à desconfiança dos ativos financeiros. Um passado de incerteza, de choques, calotes e hiperinflação teria engendrado um agente econômico que, se não for muito bem remunerado, tende a não poupar, a não correr o risco de uma aplicação financeira incerta: que prefere consumir já. Haveria uma "inércia de mentalidades", diz Arida.
Hoje financista, Arida foi presidente do Banco Central em 1995, sob FHC, e um dos economistas que desenvolveram a teoria da inércia inflacionária, que explicou especificidades da também historicamente alta e anormal inflação brasileira.
Se há um fator "cultural" ou "social" dos juros altos, basta ao BC baixá-los, sem mais? Não. Mesmo havendo condições macroeconômicas suficientes, uma alteração importante e mais rápida da taxa básica de juros talvez seja possível apenas em momentos de choque.
Alterações marginais e habituais da taxa de juros em resposta ao ciclo econômico normal teriam os efeitos de praxe: altas e baixas do consumo e da atividade econômica.
Um choque como a crise de 2008 seria a oportunidade para essa "mudança de patamar" dos juros. Mas a ousadia dependeria ainda do controle de outros estímulos à atividade econômica, como o gasto público. Em 2008, o governo reagiu à crise externa com mais gasto e mais aumento do crédito via bancos estatais, entre outras medidas tomadas a fim de evitar uma recessão. Ou seja, o governo perdeu a oportunidade do choque, segundo Arida.
Pós-choque, seria possível manter os juros baixos? Arida não avança na sua conjectura, que depende da elaboração de tecnicalidades.
O economista enfatizou ainda que, além de produzir ineficiência grossa, fundos de poupança compulsória (FGTS e FAT), juros tabelados (o da caderneta de poupança) e o crédito direcionado a juro baixo para certos clientes (BNDES, habitação, rural) seriam também empecilhos à queda dos juros. Mas esse é um caso para outro dia.

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