domingo, abril 17, 2011

ELIO GASPARI - O bife chinês de 750 kg custará R$ 0,42


O bife chinês de 750 kg custará R$ 0,42 
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/04/11

O projeto da Foxconn divulgado pelo governo é uma ótima notícia, mas faz pouco sentido 


A JOIA DA COROA da viagem de Dilma Rousseff à China foi o anúncio, saído do governo, de que o bilionário Terry Gou, controlador da Foxconn, apresentou um projeto de investimento de US$ 12 bilhões, capaz de gerar 100 mil empregos (20 mil para engenheiros) em até seis anos.
A Foxconn é a maior exportadora da China, emprega 800 mil pessoas, tem fábricas de componentes eletrônicos em dez países e monta os iPhones, iPods e iPads da Apple.
Notícia melhor não poderia haver, pelo tamanho do investimento, pelos empregos a serem criados, e também pela perspectiva de montagem dos iPads no Brasil.
Infelizmente, os números divulgados fazem tanto sentido como a revelação de que alguém projeta produzir bifes de 750 quilos que custarão 42 centavos.
Entre outras limitações existentes para os dois lados, o Brasil não tem mão de obra disponível para uma empreitada desse tamanho. Todo o setor eletroeletrônico brasileiro emprega 175 mil pessoas, e o mercado padece de um deficit de 20 mil engenheiros a cada ano.
Numa nota oficial genérica, a Foxconn não fez referências a cifras ou ao tamanho do projeto.
Ademais, Terry Gou mostrou há pouco tempo que tem dos trabalhadores brasileiros a mesma opinião racista que os americanos tinham dos chineses no século 19: "Assim que os brasileiros ouvem "futebol", param de trabalhar. E há toda aquela dança. É louco..."
Vale lembrar que o governo começou a flertar com o trem-bala dizendo que ele ligaria o Rio a São Paulo e custaria cerca de R$ 18 bilhões, financiados pela iniciativa privada. Na semana passada, foi criada uma estatal para cuidar de um projeto Rio-Campinas, cujo custo está estimado (por baixo) em R$ 33 bilhões, com R$ 20 bilhões financiados pela Viúva.
Descascando-se o negócio da Foxconn com o Brasil, chega-se ao caroço da montagem de iPads no país. Hoje, uma tabuleta da Apple custa R$ 800 nos Estados Unidos e R$ 1.400 em Pindorama.
Cerca da metade da diferença vem da mordida dos impostos. Numa maluquice tributária, o iPad, bem como outras tabuletas, não usufrui as isenções dadas aos computadores baratos. Por quê?
Porque não tem teclado, dizem os impostecas. De fato, o teclado desses equipamentos é virtual. Transposta para o tempo das carruagens, trata-se de uma restrição que negaria aos automóveis um benefício concedido aos veículos porque não eram puxados por cavalos.
Navios carregados de contêineres com peças de iPads devem chegar ao Brasil em julho, quando se espera que as tabuletas já estejam livres da pelanca tributária. Nesse caso, poderão custar entre R$ 1.000 e R$ 1.150, que já é uma grande coisa, sobretudo porque barra o estímulo à produção de carroças nacionais.

O FURTO AO BC E O ASSALTO AOS ASSALTANTES
Está nas livrarias "Toupeira - A História do assalto ao Banco Central", do advogado Roger Franchini, ex-investigador da polícia paulista. Finalmente alguém contou, ainda que de forma romanceada, o caso do furto de R$ 164,8 milhões (cerca de US$ 100 milhões), tirados do cofre do BC de Fortaleza. Foi o segundo maior furto em banco da história, perdendo apenas para o do depósito de Knightsbridge, em Londres, ocorrido em 1987, que rendeu US$ 113 milhões. (Em dinheiro de hoje, o assalto ao cofre do ex-governador paulista Adhemar de Barros valeu US$ 15 milhões.)
Em agosto de 2005, depois de dois meses de trabalho na escavação de um túnel de 40 metros, uma quadrilha entrou na caixa-forte e, durante dois dias, retirou mil sacos de notas de R$ 50. Passados seis anos, dois ladrões foram mortos em circunstâncias misteriosas, cerca de 40 pessoas foram presas, mas só foi recuperado o equivalente a cerca de R$ 50 milhões.
O furto em si já foi um feito cinematográfico. Num livro de 200 páginas, ele ocupa as primeiras 70. Daí em diante, a história é outra e Franchini conta uma história de assalto aos assaltantes. Numa época de narrativas policiais épicas criadas a partir do Capitão Nascimento de Tropa de Elite, "Toupeira" mostra outra realidade, menos emocionante, triste. Pelo menos um criminoso foi sequestrado e morto no cativeiro. Outros disseram que foram capturados e compraram a liberdade. Alguns bandidos tiveram familiares sequestrados.
Franchini informa que seu livro tem "60% de realidade e 40% de ficção". A narrativa, no estilo dos romances policiais, captura o leitor, a despeito do excesso de personagens. Há ficção nos diálogos e em alguns episódios, mas todos os bandidos são reais, com exceção de um, irrelevante.
"Toupeira" conta que o furto foi praticado por experimentados expedicionários do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Isso está praticamente comprovado. (Com quanto o PCC ficou, não se sabe.) Na trama do assalto aos assaltantes, Franchini expõe policiais civis da São Paulo. Aqui e ali, existem indicações de que não tirou isso da própria cabeça. No seu grand finale, "Toupeira" conta que os ataques do PCC à polícia, que amedrontaram a população de São Paulo em maio de 2006, foram uma resposta da holding dos bandidos às extorsões e aos sequestros de seus familiares. Pode ser ficção, mas faz um sentido danado.

FHC E O POVÃO
Nunca foi tão sábia a frase de FHC: "Esqueçam o que eu escrevi".

PAROLAS DO PAC

A doutora Dilma precisa sentar com o comissariado do PAC para ver o que está acontecendo na área de saneamento básico.
Nos dois primeiros meses deste ano, as vendas da indústria de materiais para esse setor caíram 15% em relação ao mesmo período do ano passado. Em fevereiro, a queda foi de 19%.
Pelo andar da carruagem, Dilma corre o risco de fechar 2011 abaixo da marca de 2010, quando investiram-se R$ 8 bilhões em água e esgotos. Para quem promete erradicar a pobreza absoluta, é um desempenho miserável.

PAROLAS CHINESAS
No mundo da virtualidade, a China deu um refresco à Embraer, permitindo que produza jatos executivos Legacy na sua planta local. Quando a empresa se estabeleceu lá, pretendia montar jatos do modelo Embraer 190, destinados ao gordo mercado da aviação regional. Esse nicho continua fechado.
Na vida real, a revista "Aviation Week" informa que o mercado chinês para aviões do tipo Legacy é menor que o goiano. A China tem cem jatos executivos registrados e sente-se bem assim, pois faltam-lhe pilotos, mecânicos e controladores de voo.

CLEPTOAFRICANOS

Se o Itamaraty tem alguma preocupação com o futuro dos interesses do Brasil na África, conviria reunir as grandes empresas e empreiteiras que têm negócios por lá para informá-los que o tempo dos ditadores longevos pode estar chegando ao fim.
Há tempo o Brasil é um dos paraísos para dinheiro roubado em Angola, Moçambique e na Guiné Equatorial.

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