sábado, fevereiro 05, 2011

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Fronts de guerra
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O GLOBO - 05/02/11

Continuam a preocupar a sobrevalorização cambial e o desequilíbrio externo. [Não vou repetir números, já amplamente conhecidos. Como diz a minha tia Suzana, sempre mordaz: "Estatística mata qualquer conversa."

Argumentos podem ser mais poderosos do que meras estatísticas. Estas, aliás, têm a aparência enganosa de "fatos inquestionáveis". Os incautos não sabem que toda estatística é uma construção. Volto ao câmbio.] Entra mês, sai mês, o quadro não muda. O governo toma diversas providências, mas o problema persiste. Em parte, isso se deve a fatores externos, notadamente a alta das commodities no mercado internacional e a política monetária superexpansionista do Federal Reserve e de outros bancos centrais. A alta das commodities, aliás, decorre em parte da expansão monetária nos EUA e em outros países desenvolvidos. Se o nosso BC sonhasse em fazer algo remotamente semelhante ao que faz o BC dos EUA, seria imediatamente acusado de estar sob domínio de perigosos heterodoxos.

A expansão da liquidez internacional transborda para diversos mercados, inclusive o brasileiro, visto como atraente por vários motivos nobres (dinamismo econômico, oportunidades de investimento, políticas sólidas, estabilidade política) e menos nobres (juros extravagantes). Isso não significa que o Brasil esteja à mercê de forças incontroláveis. É essencial modificar a combinação de políticas monetária/creditícia/fiscal. A economia vem de um período de aquecimento. Mas não é aconselhável desaquecê-la com aumentos da já elevada taxa Selic. É preferível realizar um ajuste fiscal e tomar medidas diretas para desacelerar o crédito concedido por bancos públicos e privados (com atenção especial a empréstimos alimentados por recursos do exterior). Com mais ajuste fiscal e controle do crédito, pode-se depender menos de uma Selic elevada, o que reduziria a pressão sobre o custo da dívida pública e de carregamento das reservas, sobre o câmbio e a competitividade industrial. Atenção, porém: a mudança na composição das políticas macroeconômicas não resolverá os problemas, especialmente a sobrevalorização cambial. Por si só, o efeito sobre o câmbio de um ajuste fiscal é ambíguo. Um corte de gastos expressivo, por exemplo, pode levar o mercado a enxergar uma melhora dos "fundamentos" do país, atraindo mais capital e reforçando a pressão altista sobre a moeda...

O mesmo pode ser dito das reservas internacionais. A compra de reservas ajuda a deter a alta do real. Ao mesmo tempo, reduz ainda mais o risco associado a operações em reais, atraindo mais capital e reforçando a pressão altista sobre a moeda...

O leitor que me acompanhou até aqui pode perguntar, impaciente: existe ou não solução? Quase responderia: há uma, aparentemente simples: indicar Henrique Meirelles para o comando do Fed, exportando um pouco de ortodoxia monetária para o mais importante banco central do mundo. Infelizmente, os americanos não aceitariam.

Sejamos práticos. O que foi mencionado acima (ajuste fiscal, restrições ao crédito, moderação da política de juros, compra de reservas) é muito importante. Mas a solução do problema requer o uso de uma gama mais ampla de instrumentos de política. O governo caminha nessa direção. Refiro-me a adoção de medidas macroprudenciais e de controles sobre o ingresso de capital. A menos que haja uma mudança no quadro mundial, o governo acabará tendo que ampliar as medidas nas áreas cambial, tributária e financeira (inclusive nos mercados de derivativos) para conter a onda de ingressos de capital. Um aspecto importante é garantir o respeito às normas, com a aplicação de penalidades exemplares.

Vou mais longe. O que está se configurando é uma guerra não apenas cambial, mas também comercial. Essa guerra comercial embrionária irá nos levar a intensificar o uso de medidas de defesa ou compensatórias, voltadas para os setores prejudicados por políticas desleais de outros países. Respeitados os nossos compromissos internacionais, o Brasil tem margem de manobra para favorecer as exportações e tomar providências de defesa da produção e do emprego nacionais, preservando a base industrial do país e uma economia nacional diversificada.

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