sábado, dezembro 04, 2010

SANDRA POLÓNIA RIOS

É hora de arrumar a casa
SANDRA POLÓNIA RIOS 

O Estado de S.Paulo - 04/12/10

A presidente eleita, Dilma Rousseff, enfrentará no início de seu mandato um contexto externo que em nada lembra aquele céu de brigadeiro que deu grande contribuição ao bom desempenho da economia brasileira durante os dois governos do presidente Lula.


Ela encontrará um ambiente internacional dominado pelo acirramento das acusações de manipulação das taxas de câmbio e condução imprudente de políticas monetárias e por incertezas quanto à dinâmica das economias desenvolvidas. Embora desejável, é pouco provável que um esquema de cooperação internacional, como o G-20, seja capaz de produzir compromissos no curto prazo que permitam realinhar as taxas de câmbio das principais economias. Nesse cenário, as ameaças de aumento do protecionismo devem permanecer.


O clima pouco propício à cooperação também domina os foros de negociação comercial. A Declaração do G-20 fez a habitual referência à importância de concluir as negociações da Rodada Doha, mas o ambiente não é promissor. O esperado anúncio, durante a reunião do G-20, da superação de questões pendentes no acordo de livre-comércio entre EUA e Coreia não ocorreu, como não se concretizou o compromisso dos países desenvolvidos em conceder livre acesso aos seus mercados para importações vindas de países de menor desenvolvimento relativo (duty free, quota free).


Os cenários não são róseos para a indústria brasileira. Não será possível contar com o impulso da demanda dos países desenvolvidos, em particular dos EUA, que têm maior propensão a consumir produtos manufaturados do Brasil. O polo dinâmico da economia internacional estará centrado nos países emergentes, que concorrem com as manufaturas brasileiras nos mercados doméstico e internacional. Diante do quadro adverso, que interage com fatores internos para produzir forte apreciação do real, a reação do governo brasileiro tem se concentrado nas ações de mitigação (compra de divisas no mercado de câmbio e aumento da alíquota do IOF sobre a entrada de capitais estrangeiros) e na área de defesa comercial. Ao lado do expressivo aumento no número de novas investigações de dumping observado ao longo do ano, ampliou-se o alcance dos instrumentos de defesa comercial.


Nenhuma das duas frentes parece promissora para gerar resultados robustos em termos de ganhos de competitividade para os produtos manufaturados - os mais impactados pela apreciação cambial. As medidas de defesa comercial são tópicas, geram distorções e não são adequadas para lidar com a concorrência generalizada dos produtos importados. As barreiras à entrada de capitais podem deter temporariamente as pressões por apreciação, mas dificilmente bastarão para sustentar taxas de câmbio mais elevadas no longo prazo. Pior, podem comprometer a entrada de poupança externa, fundamental para financiar o crescimento da economia brasileira. Para reverter a tendência à apreciação cambial é fundamental atuar sobre a política fiscal. Sem a melhoria do perfil das contas públicas não será possível reduzir as taxas de juros de forma sustentada e, portanto, desestimular a entrada de capitais de curto prazo.


Mas ainda é importante reconhecer que dificilmente voltaremos a conviver com taxas de câmbio muito mais desvalorizadas que as experimentadas no último ano. Teremos de nos adaptar a uma moeda mais valorizada e a um mercado internacional mais concorrido. Será preciso compensar a menor contribuição do câmbio com a redução de outros custos que afetam a competitividade dos produtos industriais. A agenda é conhecida e urgente - desoneração tributária, redução dos encargos sobre a folha de salários e dos custos acessórios com a burocracia na exportação, etc. Essa é a estratégia que permitirá lidar com a competição nos mercados externo e interno. Sem a ajuda do cenário externo, não dá mais para continuar varrendo as ineficiências sistêmicas para debaixo do tapete. É hora de arrumar a casa.


DIRETORA DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

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